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sábado, 31 de maio de 2008

Tudo em comum

Ricardo Barbosa de Sousa

No livro dos Atos dos apóstolos há um pequeno trecho que descreve de forma magnífica a natureza e qualidade de vida da primeira comunidade cristã em Jerusalém (At 2.41-47). A descrição é fascinante, impressiona qualquer um que a lê, até mesmo os mais céticos e descrentes. O que vemos ali é o reino de Deus em ação, a concretização da oração que Cristo ensinou: “Venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu...”.
Este relato contrasta com a história de uma outra comunidade (Gn 11.4), que decidiu construir uma torre que alcançasse os céus e fizesse seus nomes célebres e famosos. Falavam a mesma língua e tinham um projeto em comum, mas, em vez de criarem uma comunidade, criaram um altar para sua auto-exaltação. Este relato da Torre de Babel está presente na vida de todos nós. Na educação, política, trabalho e nos púlpitos de nossas igrejas, todos nós estamos construindo nossas torres, empenhados em tornar nossos nomes célebres. Queremos construir nosso próprio reino.
O Pentecostes tornou possível o reino de Deus entre nós. O povo de Atos 2 começa a viver o seu êxodo, dá os primeiros passos rompendo com o jeito que se vivia no “Egito” para viver o novo jeito ensinado por Cristo, e faz isto de forma natural e sincera, impulsionado pelo chamado de Cristo e pelo poder do Espírito Santo. A promessa do Espírito não foi para que os primeiros cristãos tivessem poder para se autopromoverem, mas para reafirmarem os feitos e o caráter de Cristo. Era um novo tipo de comunidade que nascia de um novo tipo de pessoa. Muitas vezes queremos uma igreja diferente que nos faça diferentes, mas não queremos ser pessoas diferentes que constroem uma comunidade diferente.
O relato de Atos nos diz que eles “perseveravam na doutrina dos apóstolos…”, que “diariamente perseveravam unânimes no templo”. Alguns tinham largado tudo e dedicado dois anos e meio de suas vidas para seguirem a Cristo. Eles permaneceram em Jerusalém da ascenção até o Pentecostes aguardando a promessa do Espírito.
Era uma comunidade de cristãos disciplinados. A graça não se opõe à disciplina; pelo contrário, é a disciplina espiritual que sinaliza nosso desejo espiritual. A igreja sofre quando tentamos viver sob a direção do Espírito Santo, mas sem disciplina, como também sofre quando tentamos viver com disciplina, mas sem o Espírito Santo. Era uma comunidade totalmente comprometida em tornar Jesus Cristo conhecido. Tudo nela apontava para Cristo. Suas orações, o partir do pão, o cuidado que tinham para com os outros, sua pregação e seu testemunho, a alegria da comunhão, a renúncia dos bens, enfim, tudo em suas vidas e ações apontava para Cristo.
O Êxodo continua. Estamos a caminho do céu. O testemunho dos dois varões vestidos de branco foi: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” (At 1.11). O mesmo Jesus que viveu entre nós, morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa esperança vai voltar e estabelecer definitivamente seu reino entre nós. Enquanto isto, somos chamados para ser sal da terra, luz do mundo e ovelhas no meio de lobos. Olhamos para o mundo, cultura, família, juventude, infância, guerra, drogas, prostituição, violência, desesperança, solidão, desespero, e percebemos que a humanidade precisa urgentemente de uma nova esperança.
O problema é que, quando olhamos para a comunidade de Jerusalém, reconhecemos, lá no fundo, um sentimento ambíguo. É um modelo de comunidade que admiramos, mas não queremos. Admiramos o amor sacrifical deles, mas não é este o tipo de amor que buscamos. Admiramos sua vida abnegada, mas não estamos dispostos a abrir mão do que temos por amor ao próximo. Achamos extraordinário o fato de que tinham tudo em comum, mas não abrimos mão de nosso individualismo. Confessamos a doutrina dos apóstolos, mas a negamos na prática. No fundo, não queremos uma comunidade assim. Mas ela é possível e o mundo anseia por ela.
Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.
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sexta-feira, 30 de maio de 2008

O PRINCÍPE CASPIAN - estréia dia 30 de maio nos cinemas brasileiros




Príncipe Caspian é o segundo filme da série cinematográfica As crônicas de Nárnia, que estréia nos Estados Unidos em 16 de maio e a previsão é de que saia por aqui no dia 30, segundo as últimas informações. Depois do sucesso de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, agora é a vez do segundo livro da saga de C. S. Lewis, publicado em 1951. Aliás, o livro chegou a ser publicado no Brasil pela Ediouro nos anos 80, com o título O Príncipe e a Ilha Mágica, com tradução de ninguém menos que o famoso cronista Paulo Mendes Campos.

A história traz os mesmos protagonistas da primeira aventura: Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia, só que mais de mil anos depois – isso na contagem de Nárnia, o equivalente a apenas um ano no nosso mundo. Neste período, em que os quatro irmãos Pevensie estiveram fora de Nárnia, ela foi invadida pelos terríveis telmarinos. Diante de ameaça, as criaturas fantásticas e falantes tiveram que se esconder, mas o príncipe Caspian, herdeiro do trono, sonha em reviver a Antiga Nárnia. Para isso, invoca os reis do passado através da trompa mágica de Susana, que ela deixou antes de voltar para nosso mundo. Os tais telmarinos são, na verdade, piratas do mundo dos mortais que se perderam em uma ilha e foram abduzidos para Nárnia através de uma caverna.

Clive Staples Lewis (1898-1963), ou simplesmente C. S. Lewis, é considerado um dos maiores críticos literários, escritores de obras de ficção e teólogo do século 20. Muitos consideram que as figuras mitológicas utilizadas em seus livros seriam extraídas do paganismo, e portanto, incompatíveis com a fé cristã. Só que, assim como Cervantes, Lewis usa o sonho e a fala de animais para expressar suas idéias. Essa atmosfera de conto de fadas é justamente um dos méritos da obra – em uma carta para uma criança que era sua fã, ele diz que os pequenos têm facilidade para perceber, por exemplo, quem é o leão Aslam: uma figura de Cristo.

Lewismania
Desde o lançamento de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, em 2006, a obra de C. S. Lewis tornou-se mais conhecida e prestigiada pelo público brasileiro. Confira um pouco do que há para ver e ler:

Filmes – Além dos longas da série atual, a Focus Filme lançou As crônicas de Nárnia – Edição de colecionador, uma caixa com três DVDs com produções da década d e 90 da TV inglesa, contendo, além de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa e Príncipe Caspian/A viagem do peregrino da alvorada e A cadeira de prata – cada um com mais de três horas de duração. Já Terra das sombras, de 1993 (Warner), é um filme ganhador de diversos prêmios, mas ainda inédito em DVD no Brasil, que narra um momento muito importante da vida de C. S. Lewis. Existe uma outra versão com o mesmo título que é ainda mais fiel àquele momento. Mas o desenho animado O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, de 1979, pode ser encontrado a menos de 10 reais por aí.

Livros – Alma do leão, a feiticeira e o guarda-roupa, de Gene Veith (Danprewan); O imaginário em as crônicas de Nárnia, de Glauco Barreira Magalhães Filho (Mundo Cristão); Os bastidores de Nárnia, de Devin Brown (United Press); O Evangelho de Nárnia, organizado por Gabriele Greggersen (Vida Nova) (com um artigo meu) . Há ainda os sites: http://www.cslewis.com.br/ (nacional) e http://www.cslewis.com/(internacional). Já o site http://www.cslewis.org/é da Fundação C. S. Lewis.


(Publicado originariamente na revista Cristianismo Hoje, n. 4)

terça-feira, 6 de maio de 2008

Mui bíblica missão integral

Robinson Cavalcanti

Todos os seres e instituições existem com um propósito, construtivo ou destrutivo. Chamemos esse objetivo de missão. Muitas vezes, pessoas e instituições se afastam de seu objetivo original, ou o implementam por métodos inadequados ou ilegítimos. O pensador anglicano Michael Greene afirmou: “A Igreja ou é missionária, ou não é Igreja”. Jesus Cristo, se esvaziou, encarnou em uma cultura e uma conjuntura, rompeu barreiras sociais, exortou, realizou sinais e prodígios. Ele é o exemplo para a Igreja: o Messias prometido, que transformou água em vinho e bebeu fel na cruz — da festa ao martírio. Foi ele quem disse: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20.21b). A Palavra nos mostra o modelo da missão de Cristo, bem como da nossa: “Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo” (Mt 4.23). Para o comentarista da Bíblia de Genebra, “ensinar envolvia a comunicação da natureza e propósito do reino de Deus, como é visto no sermão do monte (caps. 4-7) e nas parábolas do reino (cap.13). Pregar era anunciar as boas novas de que o reino de Deus estava próximo, e que seus soberanos propósitos na história estavam sendo finalmente realizados. Curar, bem como ensinar e pregar, era sinal de que o reino já tinha vindo” (Mt 11.5).
Ele recrutou seus discípulos de diversos segmentos sociais e demonstrou que o reino de Deus não se identificava com nenhum dos partidos do seu tempo. O Messias era a Palavra viva, herdeira das palavras de Javé, libertando o seu povo da servidão do Egito, outorgando-lhe a Lei, falando pelos profetas. Na sinagoga de Nazaré, assumiu o seu messiado e a realização da profecia de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para por em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor” (Lc 4.18-19). Esse texto não deve ser “espiritualizado”, ou “materializado”, pois nos lembra o ideal de Deus para uma ética social superior, no Ano Sabático e no Ano do Jubileu, a realização plena escatológica (o “ainda não”) e as possibilidades de fazer avançar na história os valores do reino (o “já”).
A missão da Igreja deveria ultrapassar a tentação localista de uma mera seita judaica, e se expandir por todo o mundo. O cristianismo é intrinsecamente expansionista, porque o evangelho deve ser levado “até os confins da terra” (At 1.8). O Espírito Santo no Pentecostes foi derramamento de poder e outorga de dons, para tornar possível o cumprimento dessa missão, que não é opcional, mas imperativa: “Ide”. Foi essa a obediência dos mártires, e a Igreja pagou um preço quando foi coerente, mas envergonhou o seu Senhor em tantos episódios pouco dignos, que, periodicamente, a chama para reforma e avivamento; para coerência e obediência. Evangélicos, continuamos a crer que a prioridade da missão é a evangelização, entendida como “... a apresentação de Jesus Cristo no poder do Espírito Santo, de tal maneira que os homens possam conhecê-lo como Salvador e servi-lo como Senhor, na comunhão da Igreja e na vocação da vida comum”.
Na Idade Contemporânea, o malabarismo mental de teólogos liberais forjou um universalismo salvífico, que descolou o Jesus histórico do Cristo de Deus, e terminou vendo “a face escondida de Cristo atrás dos orixás...”. No final do século 19 e início do século 20, nos Estados Unidos, a missão da Igreja foi dilacerada entre um “evangelho social” e um “evangelho individual”, unilaterais e parcializadores. A missão, tantas vezes atrelada a culturas, impérios e sistemas políticos ou econômicos, foi violentada e empobrecida. Aos extremismos liberal e fundamentalista, o evangelicalismo — com toda a sua história de piedade engajada, de um Wilbeforce ou um Lord Shaftsbury, herdeiro da pré-reforma, da reforma, do puritanismo, do pietismo, do avivalismo e do movimento missionário, com seu conteúdo de uma teologia bíblica e histórica, foi capaz de, principalmente com o Congresso e o Pacto de Lausanne, devolver à Igreja a sua missão recomposta: “o Evangelho todo, para o homem todo e para todos os homens”. É a missão integral, que, na resolução da Conferência de Lambeth, de 1988, dos bispos anglicanos, deve incluir e integrar as dimensões: a) proclamar as boas novas do reino; b) ensinar, batizar e instruir os convertidos; c) responder às necessidades humanas por serviço em amor; d) procurar transformar as estruturas iníquas da sociedade; e) defender a vida e a integridade da criação. Na América Latina destacamos o papel da Fraternidade Teológica Latino-Americana (FTL).
Somente um grande desconhecimento histórico ou uma grande má-fé podem ser responsáveis por se procurar identificar a Teologia da Missão da Igreja, evangélica, com a Teologia da Libertação, de premissas e história liberais. No meio de antigas e novas distorções, reafirmemos a mui bíblica missão integral.
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Retirado do site http://www.ultimato.com.br/ em 05 de maio de 2008.