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segunda-feira, 28 de abril de 2008

Livrai-nos do Mal

Robinson Cavalcanti


Há forças satânicas atuando no mundo, apoiando a maldade dos homens. Há uma relação entre as potestades do mal e os poderes da terra: poderes políticos, econômicos e culturais. Há uma comunhão (nem sempre consciente) entre as potestades da maldade e os poderes promotores da perversidade.
Dimensões da maldade

O egoísmo, a agressividade, a desonestidade, a violência e a corrupção atestam à queda moral e espiritual dos indivíduos. O imperialismo, o colonialismo, o desemprego, a fome e a miséria são os edifícios sociais construídos pelos pecadores. Não só as pessoas pecam isoladamente, mas as nações, as classes sociais, as religiões, as etnias, as famílias também pecam coletivamente. A noção de "pecado social", ou em uma linguagem contemporânea, de "pecado estrutural", é um conceito claro no Antigo Testamento e tragicamente (intencionalmente?) esquecido ou "esquecido" pela Igreja de hoje.

Daí as contradições: o cristão honesto que trabalha em uma fábrica de armamentos e o cristão casto, cumpridor dos seus deveres em um escritório contábil que presta serviços a um narcotraficante. A teologia marcada pelo individualismo cultural do ocidente burguês não ajuda o discernimento.

Na recuperação da totalidade do ensino bíblico e da experiência histórica, cabe à Igreja perceber, discernir, denunciar, corrigir, apoiar e propor. A ministração espiritual eficaz é social e histórica, concreta e real, não no solilóquio das subjetividades espirituais, não no futuro, não no além, não nas nuvens.

A relação potestades espirituais da maldade versus poderes terrestres não será eficaz se somente combatida em um só dos planos: combate metafísico versus combate social, mas em ambos, simultaneamente, com igual determinação e coragem.

Quando a Igreja não percebe essa relação inseparável, ela parcializa a luta. Os extremos do evangelismo individual versus evangelismo social, Teologia da Libertação versus Teologia da Batalha Espiritual foram demonstrações de falta de discernimento, de cegueira espiritual ou de desobediência.

A maldade do mundo é um fato. Se a Igreja não leva isso em conta, ela parece irrelevante, como museu ou clube religioso. Se ela sabe da maldade e silencia, é pior. O pecado eclesiástico da omissão ou conivência, por alienação, ignorância, medo ou comprometimento. Se ela apóia o mal, aí nem se fala. E a História, de Constantino a Hitler, do racismo norte-americano ao sul-africano, atesta essa tragédia: igrejas ortodoxas e cristãos piedosos a serviço do mal.

O chamamento à conversão e ao novo nascimento a todas as criaturas, independente de suas classes ou ideologias, não substitui nem exclui o chamamento e a denúncia profética aos pecados estruturais das classes ou ideologias às quais se vinculam essas criaturas.


O Império do mal

Se o centro de poder deste mundo se concentra nos Estados Unidos, é de sua natureza que Satanás ali acampe o seu trono. Os dois poderes se unem para oprimir e corromper o mundo (tem sido assim com todos os impérios). A riqueza do mundo é sugada. Os povos se tornam escravos, não pelos mecanismos brutais do passado, mas pelos sutís e sofisticados mecanismos do presente.

Em cada país se encontram os seus Herodes, áulicos dos seus Pilatos. Em cada país se encontram os seus saduceus helenizados (americanizados), servos do império, tropas de ocupação dos seus próprios irmãos, defensores da "idéia única", do falso e imposto consenso.

Dentro do império, os seus cidadãos são mantidos na ignorância, pela ação da escola e da imprensa. Não sabem o que acontece no resto do mundo, se acham o centro dele, vendo-se em uma "missão civilizatória" de colonizar os bárbaros aos seus refrigerantes e aos seus sanduíches.

Dentro do império, as igrejas estão cheias de cultores da forma da Lei, de atletas de exercícios metafísicos, cegos à sua conivência com as potestades. São desobedientes arrogantes. São pecadores julgadores, a exportar para a periferia (com a hipócrita luz verde da moeda) seus modismos e esquisitices, suas heresias e suas neuroses. Como não denunciam nem contradizem as potestades terrenas (antes com elas vivem uma relação promíscua), têm de ocupar o seu tempo e energias com invencionices alienantes.

A globalização é uma farsa. Nunca ví rede de franquia de caldo de cana e pão doce em Washington, de tapioca em Londres ou de acarajé em Paris. Nunca vi festival de xaxado em Roma. Globaliza-se em mão única o poder, os interesses e a cultura (cultura?) da Nova Roma.

Os exploradores associados e os privilegiados da periferia, desenraizados culturalmente, gringos morenos, são um tragicômico espetáculo do vazio, da vaidade e da superficialidade. Algumas igrejas são o espaço "sagrado" para significativa (e crescente) parcela dessa gente, servos de Deus e de Mamom, cultores de um evangelho mutilado.

As mentes cristãs narcotizadas não conseguem ser tomadas de ira santa, não conseguem propor alternativas à heresia neo-liberal, não conseguem ser solidárias nem devolver esperanças aos que sofrem, devolver o sonho de um mundo novo, na reafirmação da Providência.


Pecado, feiúra e chatice

Não nos serve, tampouco, o exemplo e o modelo de uma civilização que não consegue aceitar o corpo criado por Deus. Andem pelas ruas do império: corpos muito gordos ou muito magros, desgraciosos, opacos, roupas deselegantes, para apenas vestir a matéria má. Corpos apenas instrumentos de trabalho. Tragédia puritana de Salém a Woodstock. Presidentes assassinados, assassinos seriais, a maior população carcerária do globo, pena de morte.

A compulsiva rigidez do recalque. O outro como inimigo e concorrente. A Lei e não a Graça. Trabalho sem prazer.

O distorcido cristianismo do império insidiosamente vai vendo crescer os seus seguidores nessa periferia de Santa Cruz. Discípulos da intolerância, inquisidores, julgadores, pretensos puros, cabeças irresolvidas a perseguir, discriminar e acusar os seus irmãos. Inseguros na convivência com a diferença. Incapazes do exercício do livre arbítrio. Jactanciosos, aprisionadores do texto sagrado (escribas e fariseus).

Este maravilhoso país, com sua beleza natural e a alegria exuberante do seu povo deve ter no cristianismo evangélico uma presença iluminadora e aperfeiçoadora do seu jeito de ser, de sua cultura e de sua identidade nacional.


Celebração da fé e da alegria.

Livrai-nos, Senhor, das opressões do império, do fanatismo e da chatice religiosa. Livrai-nos do mal. Amém.
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Robinson Cavalcanti é teólogo e cientista político, autor, entre outros, dos livros Libertação e Sexualidade e do clássico Cristianismo e Política publicado pela Editora Ultimato.

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