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sábado, 22 de dezembro de 2007

"A Chegada"


Max Lucado

O barulho e o movimento começaram mais cedo do que de costume na cidade. Quando a noite deu lugar à madrugada, já havia gente nas ruas. Os vendedores se colocavam nas esquinas das avenidas mais trafegadas. Os lojistas abriam as portas de suas lojas. As crianças acordavam com o latido alvoroçado dos cães vadios e das queixas dos jumentos que puxavam as carroças.

O dono da hospedaria levantara mais cedo do que a maioria dos habitantes da cidade. Afinal de contas, a hospedaria estava cheia, com todas as camas ocupadas. Todo tapete ou esteira disponível tinha sido usado. Logo todos os fregueses começariam a levantar e haveria muito trabalho a fazer.

Nossa imaginação se inflama pensando na conversa do estalajadeiro com sua família à mesa do café. Alguém mencionou a chegada do casal jovem na noite anterior? Alguém cuidou deles? Alguém comentou a gravidez da moça no jumento? Talvez. Talvez alguém falou no assunto. Mas, na melhor das hipóteses, ele foi levantado e não discutido. Não havia tanta novidade assim sobre eles. Tratava-se possivelmente de uma das várias famílias que não pudera ser recebida naquela noite.

Além disso, quem tinha tempo para falar sobre eles quando havia tanta excitação no ar? César Augusto fez um favor à economia de Belém quando decretou que houvesse um recenseamento. Quem podia lembrar-se de uma época em que se fizesse tanto comércio na cidade?

Não, é duvidoso que alguém tivesse mencionado a chegada do casal ou atentasse na condição da moça. Todos estavam ocupados demais. O dia já raiara. O pão diário precisava ser feito. As tarefas da manhã tinham de ser feitas. Havia tanto para fazer que ninguém tinha tempo para ficar imaginando que o impossível acontecera.

Deus entrara no mundo como um bebê.

Mas se alguém entrasse no curral de ovelhas na periferia de Belém naquela manhã, que cena peculiar contemplaria.

O estábulo cheira como todos fazem. O mau cheiro provocado pela urina, excremento e ovelhas paira forte no ar. O chão é duro, o feno escasso. Teias de aranha pendem do teto e um ratinho atravessa correndo o chão sujo.

Não podia haver um lugar menos adequado a um nascimento.

De um lado se encontra um grupo de pastores. Eles estão sentados silenciosamente no solo, talvez perplexos, talvez reverentes, mas sem dúvida extasiados. Sua vigília noturna fora interrompida por uma explosão de luz dos céus e uma sinfonia de anjos. Deus vai até aqueles que têm tempo para ouvi-lo -- e assim, naquela noite sem nuvens, ele fora até os simples pastores.

Junto à jovem mãe se assenta o pai cansado. Se alguém está cochilando, esse é ele. Não consegue lembrar-se da última vez em que pôde sentar-se. E agora que a excitação diminuiu um pouco, agora que Maria e o bebê estão confortáveis, ele se apóia na parede do estábulo e sente seus olhos se fecharem. Ele ainda não entendeu tudo. O mistério do evento o intriga. Mas não tem no momento energia para lutar com as perguntas. O importante é que a criança está bem e Maria a salvo. A medida que o sono vem, ele lembra do nome que o anjo lhe dissera para usar... Jesus. "Nós o chamaremos Jesus."

Maria está bem desperta. Como parece jovem! Sua cabeça repousa sobre o couro macio da sela de José. A dorfoi embora como por encanto. Ela olha para o rostinho da criança. Seu filho. Seu Senhor. Sua Majestade. Neste ponto da história, o ser humano que melhor compreende quem é Deus e o que ele está fazendo é uma adolescente num estábulo mal cheiroso. Ela não pode tirar os olhos dele. De alguma forma Maria sabe que está carregando Deus nos braços. Esse é então ele. Ela lembra as palavras do anjo. "O seu reinado não terá fim."

Ele parece qualquer coisa menos um rei. Seu rosto é avermelhado, lembrando uma ameixa seca. Seu choro, embora forte e saudável, continua sendo ainda o de um bebê indefeso, lancinante e agudo. Ele depende absolutamente de Maria para seu bem-estar.

Majestade em meio ao mundanismo. Santidade misturada à imundície do excremento e suor das ovelhas. A divindade entrando no mundo no chão de um estábulo, através do útero de uma adolescente e na presença de um carpinteiro.

Ela toca a face do Deus-menino. Como foi longa a sua jornada!

Esta criança superara o universo. Os trapos que o aquecem eram os mantos da eternidade. A sala dourada de seu trono fora esquecida em favor de um curral de ovelhas imundo. E os anjos adoradores foram substituídos por pastores bondosos mas perplexos.

Enquanto isso a cidade fervilha. Os mercadores não sabem que Deus visitou o seu planeta. O estalajadeiro jamais creria que enviara Deus para o frio lá fora. E o povo zombaria de quem quer que dissesse que o Messias jaz nos braços de uma jovenzinha na periferia de sua cidade. Eles estavam todos ocupados demais para sequer considerar essa possibilidade.

Os que não assistiram à chegada de Sua Majestade naquela noite, não perderam a oportunidade por causa de atos perversos ou malícia; de modo algum, eles a perderam simplesmente porque não estavam olhando.

Pouco mudou nesses últimos dois mil anos, não é?
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quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

ESPIRITUALIDADE MASOQUISTA, TEOLOGIA SÁDICA

Ricardo Gondim.


Para Simone Weil quando o sofrimento atinge níveis próximos do desespero, ele se chama de “infortúnio". Para ela, o infortúnio acontece quando a dor chega, ao mesmo tempo, em três dimensões essenciais da vida: a física, a psicológica e a social.

As dores isoladas não deixam vestígios. A dor física provocada por um dente infeccionado, por exemplo, desaparece, instantaneamente, quando o dente é extraído.

A teóloga alemã, Dorothee Sölle, afirma que nem mesmo a dor puramente psíquica alcança a dimensão do infortúnio, já que “o espírito, que por natureza foge do infortúnio com a mesma imediatidade e o mesmo ímpeto irresistível com que um animal foge da morte, sempre dispõe de suficientes meios de derivação”.

Existem pessoas que sofrem o infortúnio porque estão feridas, simultaneamente, no plano físico, mental e social; estão abatidas porque, junto com a dor corporal, esvai-se também a auto-estima e junto com a baixa estima brotam sentimentos (reais ou imaginários, não importa) de “descenso social”, que solapam a esperança.

O que os religiosos chamam de inferno é o mesmo que a filosofia de Simone Weil considera como infortúnio: a soma do medo de ser proscrito da comunidade, mais o horror de ver-se como um estrangeiro em sua própria cidade, mais as seqüelas da dor física, mais a culpa sem conserto, mais a impotência diante dos processos gigantescos de opressão.

A principal característica do infortúnio é a escravidão, “o desenraizamento da vida, algo que, numa forma mais ou menos atenuada, é equiparável à morte, algo presente na alma de forma inelutável à guisa de agressão ou ameaça direta da dor corporal”.

Uma mulher espancada pelo marido e que convive num ambiente religioso e social que não permite o divórcio, sofre para além da dor; ela está escravizada ao “infortúnio”; vive um inferno. O mesmo inferno do índio tuberculoso quando tosse sangue e é segregado do restante da tribo; ou do iraquiano que depois de enterrar o filho, precisa voltar para os escombros de seu lar; ou do camponês que trabalha na lavoura da cana até a fadiga mortal.

Muito do que já se escreveu como teologia, não passa do esforço monumental de responder ou lidar com o infortúnio. Para Dorothee Sölle, as várias tentativas de responder aos horrores do sofrimento acabaram produzindo, simultaneamente, “masoquismo religioso” e “teologia sádica”.

“Masoquismo religioso” deve ser compreendido como resultado do esforço da teologia de oferecer argumentos que auxiliariam as pessoas em seus infortúnios. E um desses argumentos vem como uma chamada para que se encare a dor como uma pedagogia.

No masoquismo religioso as pessoas são ensinadas a conviverem com um Deus que abate, faz sofrer, permite agonias atrozes, mas, sempre para ensinar alguma coisa. Deus investe no crescimento dos seres humanos e um de seus métodos é fazer padecer.

Então, o objetivo de uma verdadeira espiritualidade seria a aceitação ou resignação aos planos (nem sempre revelados) de Deus para a vida. Sölle menciona em seu livro, “Sofrimento” (Editora Vozes), os argumentos de um pequeno dicionário teológico sobre a responsabilidade do homem [e da mulher] diante do sofrimento:

“Aceitar sem restrições a situação que se abate sobre ele, acolhe-la e integrá-la criativamente e transforma-la (ativo enquanto sofre e sofrendo ativamente) num momento de sua realização própria (o que ver a ser o o posto de um passivo deixar-acontecer), de modo que nele se decida por Deus... Nesse sentido o sofrimento se configura como ‘querido por Deus"’.

Para Sölle, o masoquismo religioso ensina que “o sofrimento está aí para que seja quebrado o nosso orgulho, evidenciada a nossa dependência". Assim entendido, o sofrimento teria como efeito reconduzir-nos a um Deus cuja excelsitude se manifesta na medida de nossa pequenez”.

Infelizmente tal masoquismo se tornou prevalecente na cristandade ocidental; seu propósito aparentemente nobre é convencer as pessoas de que os infortúnios incontornáveis da existência fazem parte de um plano maior, são elos ou engrenagens de um sistema que visa nosso bem eterno. “Assim sendo todo sofrimento é considerado uma provação por Deus enviada, a que devemos submeter-nos”.

Quem aprender a submeter-se passivamente diante das adversidades mais implacáveis, consegue, dentro dessa maneira de pensar, maior consagração. Como o sofrimento significa também punição, as tribulação devem ser compreendidas como castigo divino, conseqüência de pecados antigos, inclusive, do pecado original, cometido por Adão e Eva.

Tal masoquismo tenta, portanto, responder aos infortúnios quando insiste que Deus faz adoecer porque ama, e que mata quando precisa cumprir qualquer propósito. Nesse pressuposto foi possível afirmar que Deus chegou a criar homens [e mulheres] maus para usá-los em “trabalhos sujos” - citam-se o endurecimento do coração de Faraó e a doutrina da dupla predestinação, uns criados para o céu e outros para o fogo eterno.

Essa noção leva a outro extremo: o sadismo teológico. Diante das ambigüidades humanas, diante do recrudescimento constante do mal, não é difícil ensinar as pessoas a se submeterem a uma suposta “pedagogia divina”. Ora, o mal não desaparece, não dá tréguas. O caminho aparentemente mais fácil para lidar com as dores universais seria, então, aprender a confiar que, de alguma maneira, tanta dor sirva para algum propósito – mesmo desconhecido.

Mas para substanciar esse aprendizado torna-se necessário erigir uma concepção de Deus como “agente causal do sofrimento”:

“O Deus propiciador e agente causal do sofrimento converte-se em tema transfigurado da teologia, a qual incapaz de um ardor próprio, dirige o olhar para o Deus atormentador e exigente do impossível. Mal se pode duvidar de que a Reforma tenha reforçado os acentos sádicos da teologia. A experiência existencial assim como fora configurada na mística de um Deus que se posiciona ao lado dos sofredores é substituída por uma sistemática teologia relacionada com o juízo final” .

Por isso, quando confrontado com situação paradoxais como a prosperidade dos ímpios e os infortúnios dos fiéis, Calvino ofereceu uma resposta dramática: "O Senhor engorda os porcos para o abate”; referindo-se obviamente ao juízo final.

Sölle considera que na concepção calvinista do sofrimento há um esforço para preservar a sagrada majestade de Deus às custas da desvalorização da humanidade, sempre retratada de forma monstruosa. Acontece que existe uma incoerência interna no argumento. Se Deus criou todas as coisas e as predestinou para que fossem da maneira que são, ele não poderia se irar contra a perversidade, pois ela fez parte de seu planejamento eterno.

Mas para defender essa percepção, epidemias, guerras e outras angústias são aceitas como castigos que vingam a glória divina, punem os pecados e "educam" os salvos. O sofrimento é, assim, um castigo de Deus que tem propósito. Calvino afirmou: ‘Os povos que vens castigar; os homens foram golpeados por tuas varas através da doença, da prisão e da pobreza, devem ter pecado.

Uma das tarefas da teologia, entretanto, deveria ser a de esvaziar precisamente tais concepções. Deus não justifica a miséria e a injustiça que condena bilhões à degradação sub-humana; os imperialismos e colonialismos alienantes não fizeram parte do projeto criador de Deus e não são dentes das engrenagens escatológicas.

A dor humana é um acinte ao seu propósito de que todos "tenham vida com abundância"; a injustiça será sempre um horror que move Deus a conclamar os profetas a mostrarem sua indignação; as chacinas e os holocaustos são excrescências provocadas pela maldade dos corações humanos e Deus jamais planejou que fossem assim. “Há dores que ultrapassam infinitamente toda forma de culpa. É demasia para todos”.

É mister que se recupere o legado místico da espiritualidade cristã, que não prioriza um teísmo vingador e não aceita o “deus da pedagogia escondida”. Nas tradições espirituais cristãs místicas. Deus é compassivo com o sofrimento e com as contingências, muitas vezes, dolorosas e perversas da história. O clamor dos injustiçados, o sofrimento dos escravizados e as angústias dos marginalizados sobem até os seus ouvidos e provocam sua ira. O sofrimento do mundo magoa o seu coração.

Se houve alguma necessidade de sacrifício para que a maldade não passasse impune, Deus infligiu a si mesmo – “o castigo que nos traz a paz estava sobre ele”. Se o derramamento de sangue era imprescindível para que se satisfizesse a justiça, "o Senhor, tal como uma ovelha que segue para o matadouro", entregou-se pelo mundo.

Deus não é sádico. Ninguém precisa aprender a lidar com os infortúnios com masoquismo. Há esperança!

Soli Deo Gloria.
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*Retirado de www.ricardogondim.com.br

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

ENTRE A CRÍTICA E A CONVICÇÃO(*)

ALFREDO DOS SANTOS OLIVA(**)

Introdução
Paul Ricoeur, que é um cristão reformado e dos mais importantes filósofos contemporâneos, concedeu uma grande entrevista que acabou por ser publicada na forma de livro com o título de "A crítica e a convicção". O nome da obra originou-se de um trecho da entrevista em que Ricoeur é questionado acerca de como conseguia harmonizar a sua vida de pesquisador no campo da filosofia com sua fé cristã. Sua resposta foi a de que ele havia feito uma opção por viver da tensão entre a permanente crítica do pensamento, tarefa da filosofia, e a convicção, atributo da fé.

Gostaria de utilizar as duas metáforas provenientes da entrevista do filósofo francês para dar nome a esta exposição e refletir sobre um fato muito comum entre nós que optamos por transitar nas fronteiras da academia e da vivência da fé cristã. Penso que a escolha de Ricoeur tem sido uma exceção à regra. A maioria das pessoas tem escolhido viver somente uma das duas dimensões. Desejo avaliar as implicações que uma opção unilateral pode ter sobre a vida das pessoas, para, em seguida, propor uma alternativa tensa: viver entre a crítica e a convicção. Ao final de cada um dos três itens vou fazer uma avaliação das conseqüências de cada modo de relacionar ciência e fé.


1. O caminho da crítica sem convicção

Um dos debates que tem ocupado as ciências sociais e humanas na atualidade concentra-se em uma severa crítica ao iluminismo moderno. Dentre os vários aspectos desse projeto, os estudiosos contemporâneos, de forma especial, têm falado da confiança que esses professavam na autonomia e na liberdade humanas, de suas críticas veementes a toda forma de religiosidade, sobretudo se fosse institucionalizada, bem como de sua valorização excessiva da racionalidade. Mesmo muitos religiosos, sobretudo os que foram gerados dentro da tradição reformada, não estiveram imunes a esse racionalismo. Apenas se diferenciavam de seus contemporâneos seculares por não aceitarem o ateísmo. Parece-me, todavia, haver diferenças muito tênues entre um ateísmo declarado e a apologia de uma religião nos simples limites da racionalidade!

O iluminismo, que se consolidou como proposta no século XVIII, deixou de ser projeto para se tornar um paradigma societário no século XIX. De projeto de sociedade, passou a reger modos de pensar e agir no mundo ocidental contemporâneo. Essa cosmovisão tem produzido muitos frutos, alguns bons e outros ruins. Não tenho espaço para fazer esta avaliação agora.

Neste momento apenas gostaria de destacar que este caminho que incompatibiliza a vida acadêmica com a experiência e a vivência da fé tem suas raízes mais profundas no paradigma iluminista. Para essa visão de mundo a ciência está mergulhada em uma linguagem conceitual precisa e no exercício rigoroso da racionalidade cognitiva, portanto incompatível com as categorias do submundo religioso, por demais imerso em uma linguagem simbólica, cheia de metáforas e sentidos que a razão nem sempre pode apreender com muita precisão.

Minha compreensão não é a de que uma vida de fé seja incompatível com a pesquisa acadêmica, nem mesmo acho que a experiência religiosa seja vazia de racionalidade, mas entendo que, pensando assim, não estou em sintonia com a maioria dos intelectuais do mundo ocidental contemporâneo. Desde a modernidade, temos aprendido a pensar a vida religiosa a partir de expressões de caráter negativo - obscura, opressora, alienante etc. - e a pesquisa científica de forma positiva - iluminadora, libertadora, crítica etc.

Em função deste contexto em que ainda vivemos, não me espanta que muitas pessoas sérias na sua profissão acadêmica sintam-se envergonhadas de buscar ou viver a convicção que a religião gera em seus adeptos. Elas foram treinadas e estimuladas a duvidar e a criticar tudo e todos. As pessoas ligadas à academia foram estimuladas a desenvolver apenas a dimensão cognitiva de sua racionalidade. Outros aspectos ou dimensões da racionalidade, como a estética e a expressiva, têm sido menosprezados pelos cientistas. Filósofos, como o alemão J. Habermas, têm se ocupado em fazer uma interessante crítica à racionalidade ocidental, bem como ao reducionismo que tem levado muitos pesquisadores a se esquecerem da sua multidimensionalidade. Por causa desta visão reducionista de razão, a expressão de convicções, para serem dignas, deveria estar baseada em evidências empíricas que fossem racionalmente explicáveis. Deus seria um ser por demais abstrato e intuitivo para ser alvo da atenção de cientistas racionais, com poucas e felizes exceções.

Não são raras as pessoas que escolhem trilhar o caminho da crítica sem convicção. Lembro-me de um professor dos tempos de graduação em uma universidade pública que, sabedor de que eu estudava teologia e história ao mesmo tempo, uma vez disse em sala de aula que "“não sabia o que padres, freiras e seminaristas estavam querendo ao estudar história". Na mente de meu estimado professor, a busca pelo conhecimento acadêmico não se justificava para as pessoas de fé. A crítica proporcionada pela investigação científica não se compatibilizava com a convicção que a experiência de fé proporcionava. A vida acadêmica só faria sentido para quem desejasse ser livre do suposto obscurantismo proporcionado pela religião.

Este caminho tem seus problemas: pode gerar arrogância acadêmica, aridez intelectual e emocional, falta de critério para avaliar as conseqüências éticas do saber científico, intolerância para com outras formas de saber etc.

2. O caminho da convicção sem crítica

Outro debate interessante proporcionado pelas ciências humanas e sociais é o que diz respeito ao modo mais adequado para se designar as transformações pelas quais o mundo contemporâneo tem passado. Se há um certo consenso em designar o período compreendido entre os séculos XVI e XIX de modernidade, os estudiosos ainda não concordaram sobre a nomenclatura que poderia explicar as mudanças que o ocidente experimenta desde os últimos 50 ou 60 anos do século XX.

Alguns pesquisadores gostam de se referir aos tempos atuais usando a expressão pós-modernidade (B. S. Santos), outros preferem o termo modernidade tardia (A. Giddens) ou mesmo neomodernidade (S. P. Rouanet). Há concordância em apenas admitir que existem certos valores da modernidade que precisam ser analisados de forma crítica (racionalismo estreito, cientificismo, crença na autonomia do sujeito), mas há uma enorme dúvida quanto ao que se deveria colocar no lugar do projeto moderno.

Uma das alternativas ao projeto iluminista tem sido o que C. Lemert chama de pós-modernismo radical. De forma bastante simplificada, seria uma afirmação dos valores negados pela modernidade, ou seja, uma apologia radical do irracionalismo, uma veemente negação do valor da ciência e uma crença na dissolução da subjetividade. Esta perspectiva ou projeto seria responsável pela difusão de um relativismo na academia, bem como de um excesso de religiosidade e ou mistificação das imagens de mundo.

Muitas são as expressões para designar a efervescência religiosa dos dias de hoje: revanche do sagrado, retorno do sagrado, emergência de um sagrado selvagem, dessecularização etc. Também não sei ao certo como designar este mundo contemporâneo onde a religiosidade impregna todas as instâncias da vida humana, mas estou certo de que está florescendo algo muito perigoso. O excesso de mistificação da realidade tem construído um mundo carregado de símbolos vazios e escasso de reflexão e análise.

Também não é pequeno o número de pessoas que escolhe trilhar por este caminho. Lembro-me dos fundamentalismos americano e muçulmano, muito em voga no cenário mundial dos dias de hoje. Religiosos que não conseguem ler a realidade para além da roupagem sagrada e intolerante. O presidente americano se acha o messias do reino da luz que deve erradicar as obras das trevas (islamismo, terrorismo). Do outro lado, religiosos muçulmanos radicais se atiram sobre pessoas, prédios e estabelecimentos públicos, verdadeiros homens e mulheres bombas explodindo a vida alheia, por crerem que assim podem acabar com os inimigos de Alá (cultura ocidental, imperialismo).

Também este caminho tem os seus perigos: pode vir a gerar intolerância para com outros atores religiosos, negação da importância do saber científico, obscurantismo intelectual, isolamento social e afetivo etc.

3. O caminho da tensão entre a crítica e a convicção

Felizmente nem todas as pessoas acham que radicalizar os anti-valores da modernidade é a melhor forma de criticá-la. O sociólogo português B. S. Santos, por exemplo, entende que a modernidade produziu uma série de déficits, promessas não cumpridas, mas também produziu muitas coisas positivas. Não se deve jogar fora a banheira com a criança dentro. Não há nada de errado com a razão em si. Por si só o exercício da razão não é bom nem ruim. Há problemas, sim, com a concepção estreita de razão da modernidade, que não permite perceber o mundo para além de sua dimensão instrumental. O mesmo se pode dizer de sua supervalorização, que chegou ao ponto de deslegitimar todas as demais formas de conhecimento que não fossem científicas e/ou racionalistas.

Penso que o caminho da tensão proposto por Ricoeur é uma alternativa muito interessante. Entendo que nos dias de hoje precisamos de pessoas críticas, que manejam bem conceitos e categorias do campo científico. Homens e mulheres capazes de mostrar a face obscura e opressora da religião e de suas expressões radicais. Creio não haver nenhuma necessidade de se buscar refúgio na certeza cega dos fundamentalismos religiosos. Deus dotou o ser humano de racionalidade para que ele a usasse sempre.

Lembro dos crentes dos tempos do Novo Testamento, conhecidos como bereianos, que ouviam as pregações religiosas e depois julgavam o que tinham ouvido. Não temos necessidade de fazer nossas mentes se tornarem apenas receptáculos de informações simplesmente porque temos tido uma experiência religiosa que tem mudado o modo como vivemos. Mais do que nunca, precisamos de pessoas convictas do amor de Deus e que não se envergonham de sua identidade religiosa, que não se acovardam diante dos desafios críticos apresentados pela ciência.

Por outro lado, a valorização do saber racional-científico não pode levar as pessoas a abrirem mão de sua opção religiosa. A ciência despida de uma dimensão ética/religiosa tem se mostrado trágica. Não há nenhuma necessidade de se ser ateu para se poder ser um cientista excelente. O que faz a qualidade de um pesquisador é o conhecimento de seu campo de estudo: domínio de instrumental teórico-metodológico, conhecimento empírico acumulado ao longo dos anos, destreza no uso da linguagem técnica da área, reconhecimento de sua excelência por seus pares decorrente de sua seriedade etc.

Este é o caminho que gostaria de propor: viver permanentemente na tensão entre a crítica (vivência da reflexão) e a convicção (vivência da fé); a crítica como fator que não nos permite viver uma fé cega, imatura, intolerante, superficial; a fé e o compromisso com o Reino de Deus como critério que nos permite avaliar o saber acadêmico e suas implicações éticas.

Na minha forma de ver este caminho pode produzir algumas experiências desagradáveis: instabilidade intelectual e espiritual, necessidade permanente de rever valores religiosos e acadêmicos, rejeição ou marginalização tanto pelos religiosos como pelos cientistas. Mas os frutos poderão ser compensadores: utilizar categorias do mundo acadêmico como critério que pode nos imunizar contra o obscurantismo religioso, avaliar a ciência desde uma perspectiva da ética do Reino de Deus, encontrar respeitabilidade entre religiosos e cientistas, possuir preciosas ferramentas profissionais e acadêmicas a serviço de Nosso Senhor Jesus Cristo etc.


Notas
* Palestra proferida na I Semana de Esperança, promovida pela Aliança Bíblica Universitária (A.B.U.) da cidade de Londrina, no dia 24 de novembro de 2004.

** Membro da Comunidade Nova Aliança, em Londrina. Mestre em teologia pelo Seminário Teológico Batista do Norte (Recife, PE) e em sociologia pela Universidade Federal do Ceará. Doutorando em história pela Universidade Estadual Paulista, campus de Assis. Professor da FTSA.

*** Retirado da Revista Teologia Hoje v. 3, n. 2 (2004) artigo 4

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

NEM TODO SAGRADO É DIVINO



Toda experiência com o divino é sagrada, mas nem toda experiência sagrada é divina.

As experiências sagradas colocam o crente em contato com o numinoso, com o mistério, com as dimensões que transcendem os mecanismos biológicos e físicos da vida. As experiências sagradas acontecem em lugares específicos, através de objetos especiais, com rituais ou na meditação e assimilação de textos místicos. As experiências sagradas precisam de contornos religiosos definidos -- que não são, obrigatoriamente, próprios de uma igreja.

Uma torcida organizada numa arquibancada de estádio também pode proporcionar uma experiência sagrada - e que será muito parecida com a de uma religião. Arrepios, enlevos e arrebatamentos na hora do gol, ou quando a taça de campeão é erguida, possuem características religiosas. Assim, as experiências sagradas não se limitam, exclusivamente ao campo religioso. Uma tarde em Itapoã, um reencontro de amigos saudosos, bebericar café com pão-de-queijo num dia chuvoso, podem ser sagrados sem que signifiquem um encontro com Deus.

Já as experiências com o Divino não precisam de focos específicos (Deus é mistério e espírito, e não pode ser contido num foco); não se restringem a lugares (adora-se a Deus em espírito e em verdade, nunca em templo feitos por mãos humanas).

Repito, a experiência com o Divino será sagrada, mas nem sempre religiosa. Quando o Samaritano ajudou o homem que agonizava numa beira de caminho, ele encarnou, e experimentou, o amor divino numa dimensão que estava longe de ser religiosa. Também, quando no último dia, Deus separar os bodes das ovelhas, o critério não será religioso. O destino eterno das pessoas será definido por ações muito naturais como dar de comer a quem teve fome, vestir os nus e solidarizar-se com os encarcerados.

As instituições religiosas, sempre ávidas de defenderem o direito de existirem, tentam confundir as duas experiências. Afirmam, sem titubear, que seus rituais, cultos e militância são Divinos. Nem sempre!

O que as diferencia o Divino do Sagrado? As experiências religiosas, por mais arrebatadoras, por mais deslumbrantes, por mais apavorantes, não conseguem transbordar para a vida. Restritas a uma hora e a um lugar, no máximo, provocam sentimentos piedosos. Segundo Rudolf Otto, geram, simultaneamente, "medo e fascínio", mas ficam nisso.

Por outro lado, as experiências com o Divino suscitam integração, mudança de consciência, compromisso com a vida; uma práxis transformadora. Para encontrar-se com Deus, não se precisam de ritos, compromissos com o rigor dogmático ou de obediência institucional, mas de fé. (Aqui, defino fé como uma coragem existencial). Deus se revela e apostamos que seus princípios e verdades são suficientes para tenhamos vida e vida com abundância.

As igrejas se especializaram em reproduzir experiências sagradas, que podem ser estereotipadas, massificadas e desejadas como um fim em si mesmas.

As experiências com o divino, porém, são sempre únicas e irrepartíveis; elas fogem do controle sacerdotal (o Espírito sopra onde quer e como quiser) e não podem ser ideologicamente manipuladas.

As experiências sagradas se mantêm na vertical: mulheres e homens em busca do transcendente; são também intimistas: mulheres e homens emocionalmente afetados pelo misterium tremendum.


Todavia, as experiências com o Divino se expressarão na horizontalidade (a fé sem obras é morta); sempre na relação com o próximo. Eis o motivo porque Jesus enviou seus discípulos para fora dos contornos religiosos. Eles deveriam ir pelas estradas, atalhos e vielas para promoverem a vida e, para isso, a religião é desnecessária.


Soli Deo Gloria.


Retirado do site de Ricardo Gondim.

SONHOS NOVAMENTE COLORIDOS*

Despeço-me do ano. Minhas alegrias, bem como as tristezas, foram numerosas e intensas. Surpreendi-me com ressurreições e chorei mortes; dancei nos salões da felicidade e arrastei-me nos charcos do desgosto; abri os braços para acolher quem voltava e, impotente, vi as costas de quem partia.
Esse foi o ano das desilusões e dos desencantos. E eu espero não misturar esses dois sentimentos. As ilusões não passam de idealizações; os encantamentos, estados de admiração. As ilusões baseiam-se em falsidades, elas são miragens; os encantamentos nascem de apreciações da realidade. As ilusões vestem as nossas mentes de fantasias; os encantamentos veem de percepções claras da vida.
Iludi-me com a nobreza institucional; acreditei piamente que a igreja que me rodeava era "a Igreja" de Jesus – por favor, perceba os "is", minúsculo e maiúsculo. Por anos, dei-me completamente a uma versão do cristianismo que eu percebia como a única, a mais verdadeira, a melhor de todos os tempos. Iludido com essa versão, não notei os ciúmes, as maldades, as invejas, que a motivavam.
Iludi-me com o expansionismo de minha missão. Acreditei no mito moderno do progresso. Eu achava que poderia continuar crescendo numericamente e, ao mesmo tempo, manter o ambiente relacional dos tempos em que me reunia com uma porção de jovens idealistas. Cheguei a pensar que poderia abrir meu coração entre clérigos profissionais com a mesma liberdade que fazia entre os primeiros parceiros de ministério.
Iludi-me com a natureza humana. Acreditei na bondade das pessoas; principalmente, nos que se diziam cheios do Espírito Santo de Deus. Eu imaginava que alguém que transbordasse de Deus não saberia conspirar como Absalão, não conseguiria trair como Judas e seria incapaz de portar-se como um lobo voraz. Ledo engano! Os porões eclesiásticos estão entulhados de cadáveres de gente esfaqueada pelas costas. A história não omite: os corredores das catedrais comportam verdugos e facínoras sequiosos de subirem as hierarquias organizacionais.
De repente, veio a desilusão. As vendas caíram dos olhos e notei o tamanho de minhas fantasias religiosas. Acontece que uma pessoa desiludida nunca mais volta a se iludir. E nesse processo, fui obrigado a separar as desilusões dos desencantamentos. Pois, ao contrário dos desiludidos, os desencantados podem re-encantar-se novamente.
Andei desencantado com minha missão, vocação e devoção. Mas jamais perdi o que inicialmente me deslumbrou no Evangelho. Continuo absolutamente fascinado com a vida de Jesus de Nazaré. E volto a maravilhar-me cada vez que leio sobre seu caráter, sua ternura para com os desvalidos e seu perdão para os pecadores. Sua doação na cruz, sua morte exemplar e a sua ressurreição triunfante, não permitem desencantos.
Em minhas dores cheguei a cogitar que desistiria de tudo, mas não consegui. Continuo acreditando que os valores do Reino de Deus precisam vazar para todas as dimensões do viver humano, sob pena de deixar o mundo se transformar no inferno de Dante. Os valores de justiça, paz e equidade humana, como propostos por Jesus e seus apóstolos, não podem ficar escondidos, mas devem ser proclamados universalmente. Isso é tão magnífico para mim que cura meu coração desiludido, devolve viço à minha poesia melancólica e re-energiza o meu labor.
Nas coisas que me desiludi, não contemplo retorno, mas sei que os meus sonhos voltam a se colorir. Neste novo ano, responderei com novo alento: "eis aqui, envia-me a mim".
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondim
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*Este texto foi escrito pelo Pr. Ricardo Gondim da Igreja Assembléia de Deus Betesda. Publiquei ele pelo fato te comungar com varias idéias que ele apresenta neste texto, além de esta passando por algumas angustias semelhantes (guardando as devidas propoções).

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

ESPIRITUALIDADE COMO DESCOBERTA DO PRAZER EM DEUS


A sociedade atual é marcada por um sentimento hedonista exacerbado e que fere diretamente a santidade de Deus e os princípios divinos expressos na Bíblia Sagrada. Todos querem um prazer imediato e sem nenhum ônus ou responsabilidade. Por esta razão existem os mais diversos “remédios” que resolvem, de maneira instantânea, o problema da dor física e ainda que podem prolongar por mais tempo as sensações de prazer.

Porém, qual é o real prazer que o ser humano por sentir? Aquele proporcionado por remédios e drogas sintéticas ou aquele que emana dó próprio Deus? Será que Deus deseja o nosso prazer? Ou ter prazer é algo mundano, pecaminoso? Esta ultima tem sida a relação que muitas pessoas e, às vezes, muitos cristãos têm feito com respeito ao prazer na vida humana. Para estes, prazer é sinônimo de desejos carnais e pecaminosos, como os antigos ascetas cristãos achavam.

Abaixo tentaremos apresentar possíveis respostas a estas perguntas. Para tanto, irei me basear no fruto de três dias de reflexões sobre a temática (RE) DESCOBRINDO O PRAZER EM DEUS*.

A principio necessitamos esclarecer algumas idéias relacionadas ao tema proposto. Para as quais iremos apontar. Primeiro, o cristão não esta desprovido da dimensão do prazer. Deus não nos criou ascetas, mas para gozarmos a vida a partir Dele. O grande problema que enfrentamos é que a palavra prazer foi estigmatizada no passar do tempo na História da Igreja até chaga as nossos tempos. E assim, foi sendo usada para se referir a toda pratica ligada a depravação sexual humana. No entanto, Deus criou o sexo de forma santa para que fosse gozado dentro do casamento e para a sua Glória.

Dessa forma, sentir prazer não é algo pecaminoso. Deus nos criou para glorificá-lo e ter o nosso prazer nele. Sendo assim, o prazer que iremos nos referir aqui vai muito além do prazer mundano e carnal, mas do prazer que vem da presença do Pai.

Segundo lugar, prazer é algo que gera satisfação e é agradável. Quando realizamos algo com prazer, aquilo nos traz satisfação plena e conforto ao nosso coração.

Assim, há uma diferença entre a Obrigatoriedade Religiosa e a Espiritualidade Bíblica. A primeira é fruto de ritos e dogmas e é realizada de forma mecânica e sem consciência, além de ser, muitas vezes, realizada de forma irracional, ou seja, possui um fim em si mesma, é feita por fazer e de forma alienada da realidade e do contexto bíblico no qual é aplicada.

Enquanto isso, a segunda é desenvolvida de forma fluída e sem o peso da obrigação, mas é desenvolvida com o prazer e satisfação que procedem do trono de Deus. Assim, ir a igreja para o culto solene, ler a Bíblia diariamente e passar tempo em oração não é algo pesaroso ou que demande insatisfação, mas devem ser práticas de um coração que ama a Deus e que descobriu o prazer em Deus.

O Catecismo Maior de Westemister em sua segunda pergunta diz: “Qual é o fim de todo o homem?” e sua reposta é contundente “glorificar a Deus e goza-lo para todo o sempre.” Se tentássemos fazer uma paráfrase desta reposta ela seria, mais ou menos, o seguinte: O propósito do homem é viver de forma que conceda glória a Deus todos os dias e ter prazer em Deus para toda a eternidade.

Então, tomando como base esta resposta podemos afirmar que o Prazer de todo Homem está em glorificar a Deus e nele deleitar-se para sempre. O salmista Davi compreendeu bem esta verdade al expressar isso em canção: “Deleite-se no Senhor, e ele atenderá aos desejos do seu coração.” (Salmo 37.4 – NVI).

Muitos se perguntam o que fazer para ser feliz e em busca disto buscam livros de auto-ajuda, terapias, sessões de psicanálise, aulas de Ioga, entre outras coisas, mas a resposta para este grande questão da felicidade humana esta no fato de deleitarmos nos Senhor e temos o nosso prazer somente nele. Quando o nosso prazer está em Deus desenvolvemos uma vida de santidade, devoção, contrição e serviço ao Senhor, não como algo pesaroso ou cansativo, mas sim como algo traz satisfação e alegria.

A vida cristã é sinônimo de sacrifício, de morte. Morrer que vai, na maioria das vezes, significar abandonar práticas que aparentemente proporcionavam prazer ou satisfação, mas a única coisa que deve gerar prazer em nós é o desejo de agradarmos e glorificarmos todos dos dias a Deus.

Se quisermos viver para a glória de Deus devemos aprender a ter o nosso prazer nele e somente nele, pois Ele é o único e verdadeiro caminho para a felicidade e a essência da genuína espiritualidade. Espiritualidade esta que tem Deus como o centro de todas as atenções.

Segundo os puritanos a melhor forma de retribuirmos a Deus a tamanha obra executada em nós, através de Cristo Jesus, seria vivendo de maneira plena e cotidiana um proceder de santidade. Dessa forma, se um viver em santidade agrada profundamente a Deus, então não existe outra opção. É neste caminho que devemos trilhar.

Aquele que esta comprometido com a busca do prazer em Deus não consegue ver dificuldades na vida cristã, ou seja, o verdadeiro discípulo de Cristo é aquele que descobriu (ou redescobri a cada dia) o prazer em Deus e por isso esta disposto a abandonar tudo por amor a Cristo.

Concluímos com a certeza de que necessitamos urgentemente voltarmos a (re)descobri a cada dia o prazer que há em Deus.

Que Deus nos ajude!

Patrick Cezar da Silva
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*Acampamento realizado todos os anos (CONGRECAMP 2007) direcionados para jovens e adolescentes da Primeira Igreja Evangélica Congregacional de João Pessoa.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

O TAPECEIRO

João Alexandre

Tapeceiro
Grande artista
vai fazendo o seu trabalho
Encansável, paciente no seu tear
Trapeceiro
Não se engana
Sabe o fim desde o começo
Traça voltas,
mil desvios
sem perder o fio
Minha vida é obra de tapeçaria
É tecido de cores alegres e vivas
Que fazem contraste no meio das cores nubladas e
tristes
Se você olha do avesso
Nem imagina o desfecho
No fim das contas
tudo se explica
tudo se encaixa
tudo coopera para o meu bem
Quando se vê pelo lado certo
Muda-se logo a expressão do rosto
Obra de arte
Pra honra e glória do Tapeceiro
Minha vida é obra de tapeçaria
É tecido de cores alegres e vivas
Que fazem contraste no meio das cores
nubladas e tristes
Se você olha do avesso
Nem imagina o desfecho
No fim das contas
tudo se explica
tudo se encaixa
tudo coopera para o meu bem
Quando se vê pelo lado certo
Todas as cores da minha vida
Dignificam a Jesus Cristo
O Tapeceiro

sábado, 3 de novembro de 2007

RESPONDENDO AO CHAMADO: O INÍCIO DE NOSSA NOVA CAMINHADA

Hoje, para estarmos aqui reunidos no Missão 2006 – Congresso Missionário Estudantil da Aliança Bíblica Universitária do Brasil – aproximadamente 900 pessoas, oriundas de mais de 130 cidades brasileiras e de 17 países enfrentaram horas e mais horas de viagem, atravessando diversas paisagens, “hablando muchas lenguas”, carregando sotaques variados e trazendo consigo, além da bagagem, diferentes experiências e expectativas. Mas, apesar de toda essa diversidade, temos em comum o desejo de buscar em JESUS uma ESPERANÇA VIVA e isso faz de nós um só povo, nação santa, sacerdócio real e propriedade exclusiva de Deus.

Estamos chegando ao final deste maravilhoso encontro, mas sabemos que este encerramento representa apenas o início de nossa nova caminhada. Nos próximos meses, divulgaremos documentos com desafios que contemplem as diversas temáticas aqui discutidas. Também surgirão grupos de discussão e reflexão e esperamos intensificar os contatos e parcerias aqui iniciados para a elaboração de propostas que visem levar adiante aquilo que o Senhor nos revelou como Missão.

Neste Congresso, aprendemos que somos fracos, pequenos e inconstantes; que não somos senhores da história; que não somos vanguarda nem mais especiais que os jovens de outras gerações. Aprendemos que um corpo não pode manter-se saudável se somente alguns de seus órgãos prosperarem; entendemos que o fracasso da igreja é também nosso fracasso; percebemos que temos vivido um evangelho raquítico e doente que nos torna uma massa acrítica, conformada e passiva. Mas, apesar de tudo que somos e do que fazemos, o amor de Deus nos capacita para missões e sua graça nos põe de pé.

Deus nos coloca hoje diante de grandes desafios que não serão vencidos sem esforço, sem entrega, sem sacrifício e sem sofrimento. Reconhecendo nossas fraquezas e orando, gratos a Deus pela sua imensa misericórdia, devemos lutar por uma igreja unida; repensar o evangelho que vivemos; assumir nosso mandato cultural; estabelecer um diálogo com a sociedade; lutar pela justiça olhando as pessoas com misericórdia e respeito; escolher sofrer pelas razões certas; reinar servindo e, acima de tudo, devemos nos converter a Jesus de Nazaré, ao Cristianismo Vivo, simples e prático que nos traz Esperança.

Saímos deste Congresso de joelhos, sabendo que no Reino de Sacerdotes nossa postura não é de dominadores ou de donos da verdade, mas de exemplos e de intercessores no mundo em que Aquele que é a Verdade é o nosso dono.

Com os olhos marejados, porém bem abertos, recebemos mais consciência de que devemos olhar para dentro de nós e para o mundo de forma realista e ampla. Precisamos até mesmo ver o invisível ainda que pareça meio impossível – Deus, em sua infinita sabedoria e graça, realizando muito mais do que pedimos, pensamos ou imaginamos segundo o poder que opera em nós pelo Espírito Santo.

O Missão 2006 foi um marco para cada um de nós, não somente por ampliar nossa visão, mas também por preparar nossos corações para serem quebrantados com aquilo que quebranta o coração de Deus Pai.

O Espírito Santo de Deus derramou em nós um amor maior que nós mesmos, um amor que recebemos em abraços transculturais ao som do samba, maracatu, rock, afro, salsa e outros ritmos que bailamos juntos em celebração a esse Senhor que nos faz Um. Tal amor é Graça de Deus que amou sem ser amado por nós e que nos inspirou a amarmos nossos irmãos e sermos servos nas fraquezas uns dos outros.

Fomos desafiados a buscar nossos irmãos em lugares os quais pela nossa limitação o evangelho ainda não alcançou. Deus tem criado oportunidades para amarmos sacrificialmente a quem Ele ama e a quem o mundo, com sua ganância por riqueza e poder, exclui. Exclui alguns por serem pobres, outros por estarem doentes, outros por pensarem de forma diferente. Partimos deste Congresso, portanto, para proclamar a estes excluídos e convidá-los a fazer parte de nossa família – família do Criador de quem todos nós que vivemos pela confiança o no Cristo e em sua obra na Cruz somos filhos.

Num mundo conectado que desconecta e oprime os fracos, nos dispomos por causa do Amor de Cristo a nos ligarmos intimamente aos carentes e peregrinos fugitivos de guerras, aos escravos dos sistemas e aos idólatras de ideologias, e a nos derramarmos como uma oferta de amor, um sinal do amor de Deus por toda a humanidade. Assim, proclamamos nova vida, nova humanidade e nova criação com a liberdade, a paz e a justiça resultantes do sangue de Jesus.

No meio de uma geração que viu o Rio Amazonas secar e a natureza se revoltar como resposta à mutilação do explorador inconseqüente, nos levantamos como filhos de Deus sensíveis ao gemido da criação. Proclamamos ao mundo a Esperança de O Amor triunfar sobre o juízo mostrando que, embora sejamos vasos quebrados, fomos comprados por preço dobrado e pagamento adiantado para um dia vivermos em um novo céu e uma nova terra.

Somos fracos sim, mas é a força da graça de Deus que sacia a verdadeira fome e sede do mundo. Somos chamados a viver a vontade do Pai materializada no amor que flui de um povo reconciliado com Ele, com o próximo e com a natureza.

Estamos nos dispondo ao chamado do Pai de após este Congresso respondermos a razão da Esperança que existe em nós.

Cremos, vivemos o Amor e temos Esperança. Esperança Viva em Jesus.

Participantes do Missão 2006,
Congresso Missionário Estudantil
da Aliança Bíblica Universitária do Brasil.


Viçosa, Janeiro de 2006.

UNIVERSITÁRIO CRISTÃO:Tenha Compaixão da Militância Política!*

Alexandre Brasil Fonseca**
Certas coisas da vida parecem que não foram criadas para permanecerem juntas. Um jovem, cristão, freqüentando uma igreja evangélica, estudante universitário e que participe ativamente da política estudantil é um desses casos. Primeiro porque é comum o pensamento de que jovem não gosta de política. E em segundo lugar porque alguém já disse que ser evangélico representa dar "sim a Deus e não à vida". Estaríamos diante de uma pessoa, que por ser jovem e evangélica, teria duplo motivo para não ingressar no campo da política.

Ao lado dessa impossibilidade lógica, o estudante evangélico enfrenta ainda o inconveniente de que praticamente todo o movimento estudantil se encontra submerso na participação de pessoas ligadas a concepções socialistas e comunistas de mundo. Pessoas que muitas vezes se referem à religião como "ópio do povo". Se os jovens não se interessam pela política estudantil, menos ainda serão esses entre evangélicos.

Exceções existem e confirmam a regra. No caso de estudantes evangélicos à distância com os acontecimentos políticos é ainda maior se há o desejo ou a prática de evangelizar os colegas da universidade. Pode-se formar um grupo de estudo bíblico ou se programar eventos evangelísticos. Isso toma tempo, energia e afasta ainda mais aqueles que talvez poderiam se envolver na militância política estudantil.

Neste artigo gostaríamos de pensar até que ponto não temos dedicado tempo demais em nossa "missão" na universidade e tempo de menos vivendo a universidade. Deus nos chama para promovermos a reconciliação da humanidade com o seu Criador (2 Co 5:18) e isso passa não só pela pregação do evangelho, mas também pela vivência de forma integral dessa Boa Nova que é marcada pela encarnação do Filho de Deus em nosso mundo.


NOSSO MANDATO
Lemos em Gênesis que ao criar o homem Deus lhe diz para "cultivar o solo e o guardar" (Gn 2:15). Essa passagem é o exemplo daquilo que alguns denominam de "mandato cultural". Como sacerdotes de Deus temos a obrigação de sermos diligentes com a criação divina, cultivando-a e guardando-a. Ao nos fazer a sua imagem e semelhança Deus nos deu capacidade criativa e disto decorre nossa responsabilidade com o mundo.

Por intermédio deste "mandato cultural" somos levados a compreender o evangelho de forma holística, integral. "Cultiva e guardar" implica numa vida responsável com toda criação, não somente a reconciliação do homem com Deus, mas também o desejo de que o Reino de Deus se faça presente em todas as esferas da vida humana da forma mais imediata possível. Assim os cristãos se vêem com a responsabilidade de cotidianamente em suas ações refletirem aspectos de sua filiação a Cristo.

O testemunho cristão transcende a pregação. É preciso vivê-lo. E essa vida se dá no dia a dia do mundo. Desde pequenas atitudes como não jogar papel no chão até grandes imperativos éticos que remetem a honestidade e a promoção de justiça. O testemunho cristão se dá a partir de nosso comportamento em todas atividades: escola, trabalho, esporte, família, lazer, etc. E inclusive em nossas relações envolvendo política: processos eletivos, assembléias, discussões, debates, passeatas, manifestações... Nossas ações devem ter em mente o "cultivo" e o "guardar" da criação.

Ser "sal e luz" implica em fazer diferença onde quer que se esteja, respondendo o "mandato cultural" nas áreas que se referem a nossa vocação. Essa responsabilidade, esse privilégio, implica na dedicação da redenção do mundo pela pregação da pessoa de Cristo como Senhor Salvador e pela ação que clama "Venha Teu Reino". Ação que se dá em práticas que contribuam na promoção de vida. Em suas peregrinações Jesus percebia os que estavam à sua volta, deixando "coisas importantes" para tratar daqueles que estavam à margem, os excluídos pelo sistema. Somos chamados a nos envolver com as pessoas e a buscar estabelecer relações sadias. Devemos viver atentos àqueles que passam desapercebidos à margem de nosso caminho.

Qual será o "mandato cultural" para o jovem universitário? No Brasil representa grande privilégio ter acesso ao ensino superior, o percentual da população que entra em uma universidade é mínimo e ainda menor entre aqueles que conseguem isso gratuitamente em uma das Instituições Federais de Ensino Superior. Ao ingressar em uma universidade o jovem evangélico deve ter em mente sua responsabilidade e papel de ser "sal e luz" nesse meio. De viver o evangelho de forma integral, sendo fiel ao chamado que Deus fez para sua vida.


ENVOLVER-SE COM A UNIVERSIDADE
Como cristãos responsáveis nossa obrigação é o envolvimento com o meio em que vivemos. A universidade é um mundo cheio de liberdades que abre um enorme leque de possibilidades para os recém ingressos. Tudo pode tudo é permitido. Nesses dias de relativismo radical até mesmo o religioso se tornou presença constante entre os estudantes. Ao olhar o meio estudantil vislumbramos um enorme campus "pronto para a colheita" e nos empolgamos com as possibilidades. Gostaríamos de pregar o evangelho a todos os colegas, funcionários e professores e assim buscamos apoio em missões especializadas no ministério entre estudantes. Contudo nossa pregação do evangelho tem que ir além das palavras, ela deve se dar no cotidiano de nossas vidas e isso é mais significativo quando estamos diante da universidade.

Qual é a nossa postura para com a universidade? Qual é o nosso envolvimento com ela? Temos apenas uma preocupação utilitarista e instrumental de garantir nosso diploma? Devemos nos envolver de fato com a universidade, com seu dia a dia, com sua dinâmica. Se a vemos como um campo missionário não podemos deixar de amá-la e assim levar à frente nossa missão nesse meio. Amamos a universidade? De fato nos interessamos com suas tensões e problemas? Nossa pregação é apenas para "desencargo de consciência" ou estamos realmente encarnando o evangelho libertador?

O primeiro passo que devemos dar como estudantes universitários para vivermos o evangelho de forma responsável é buscar conhecer melhor o contexto social que marca o mundo estudantil. Isso só é possível por meio do acesso a informações, tanto as que circulam nas universidades (em murais, circulares, informativos e conversas de corredor) como aquilo que é socializado em jornais, revistas, livros e pela Internet (no final do texto há sugestões de leitura).


O CONTEXTO SOCIAL
A universidade e a sociedade vivem momentos de transição no Brasil e no mundo. Muito se fala em neoliberalismo, globalização ou pós-modernidade. Desse caudal de acontecimentos basta - para o objetivo deste artigo - apontar que vivemos numa era de transições. Novas posturas são exigidas implicando em profundas conseqüências para todos.

A recente introdução de um sistema de avaliação na universidade brasileira, a partir do desempenho dos alunos (provão), custou 1 milhão de reais aos cofres públicos e criou reviravoltas em escolas particulares que se viram denegridas pelo desempenho alcançado. Os contrários ao provão argumentam que a avaliação da universidade deve se dar em todos os níveis e não somente entre os alunos. Assim também deveriam ser avaliados a pesquisa, a extensão e o corpo docente.

A transição que experimentamos na sociedade se reflete em uma situação de crise dentro da universidade. Quando escrevo este artigo os professores e funcionários das Universidades públicas se encontram há mais de um mês em greve por motivos salariais. Alguns falam que o objetivo do governo é privatizar o ensino público superior. O governo nega. Outros apontam que dentro de um mundo globalizado alguns países produzem (produtos e conhecimento) e outros apenas compram. Assim o Brasil e outros países em situação semelhante não têm a necessidade de possuir grandes centros de ensino e pesquisa, pois esse papel já é suficientemente desempenhado por outros países. Bastaria à nós comprar aquilo já produzido.

Ao lado da crise conjuntural que vivemos, outro problema constantemente apontado é a falta de excelência acadêmica em nossas universidades. Afirma-se que vivemos um "pacto de mediocridade" onde o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende. Debilidade técnica e falta de empenho de professores são críticas recorrentes. Uma universidade que deveria formar integralmente seus alunos, oferecendo à sociedade pessoas com capacidade crítica e aptas à pesquisa, acaba produzindo simplesmente mão de obra especializada.

Também temos professores mal remunerados e desanimados com a falta de perspectiva e de avanço da ciência e tecnologia no país. Professores que não se tornam exemplo para seus alunos e que não conjugam sua ética pessoal com aquilo que ensinam. Ao comentar a crise no sistema educacional peruano Juan Carlos Mariateguí afirmou: "A crise da juventude universitária não se reduz a existência de maus professores. Consiste principalmente na falta de verdadeiros professores... a juventude se sente naturalmente órfã de professores e de idéias... As cidades bíblicas pecadoras se perderam por carência de cinco homens justos. A Universidade de São Marcos se perde pela carência de um mestre/professor".

Mas a crise/transição de nossa era atinge diretamente aos estudantes. Torna-os pessoas individualistas, pragmáticas e hedonistas. Um documento da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) ao analisar a situação dos estudantes aponta que como cristãos devemos responder a esses três elementos de forma ativa. Primeiramente a partir da visão do Reino de Deus que se contrapõe as atitudes pragmáticas. Os jovens estão mais interessados com seu sucesso, independentemente em que isso implique. Os fins justificam os meios. Se for preciso mentir, roubar ou vender-se não interessa. O importante é que o objetivo seja alcançado. O evangelho se contrapõe à isso e nos oferece a visão do Reino que nos conduz a uma vida aos pés da cruz de Cristo que age a partir do evangelho, tendo como meta a ética presente na Bíblia. Não fazemos coisas para "nos dar bem", mas para servir à causa do evangelho.

Em relação ao individualismo o evangelho nos aponta o compromisso. Compromisso que nos leva à Deus e à nossa comunidade, levando-nos ao encontro das pessoas. O egoísmo que representa a super-valorização do eu é deixado de lado no momento em que nos comprometemos com o outro, realidade que é expressa no mandamento de Cristo: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda tua força e com todo o teu pensamento, e o teu próximo como a ti mesmo" (Lc 10:27).

A busca do prazer é uma forte característica de nossos tempos. Busca que vai além do sexo, passa pelo consumo de drogas indo até o consumismo e chegando em nossas igrejas por meio de teologias que pregam uma relação com Deus baseada principalmente em prosperidade, lembrando mais uma forma de investimento do que discipulado. À esse hedonismo o evangelho aponta a questão do sacrifício. No Sermão do Monte (Mt 5), por exemplo, ao apontar as bem-aventuranças Jesus afirma que aqueles que buscarem viver o evangelho serão insultados e sofrerão perseguição. Nossa pregação profética aponta injustiças e busca reverter situações de opressão, consequentemente enfrentaremos oposição o que pode representar em nossa vida momentos de sacrifício.

Em relação ao contexto social ainda cabe uma nota relacionada ao movimento estudantil. Já há alguns anos que as organizações estudantis de representação nacional (UNE - União Nacional de Estudantes e UBES - União Brasileira de Estudantes Secundaristas) renasceram de forma mais significativa. Após o golpe militar de 1964 foi somente em meados da década de 1980 e mais recentemente no episódio do impeachment de Fernando Collor que isso ocorreu. Os estudantes foram para as ruas, pintaram a cara.

No livro a Aventura da Universidade Cristovam Buarque aponta que "muitos estranham a morte do movimento discente dentro das Universidades e denunciam este comodismo, quando, na realidade, estudantes nunca se mobilizaram levianamente. Eles só o fazem dentro de um movimento político, quando há propostas para tanto, que visem ao futuro". Buarque lembra que às vésperas dos grandes movimentos estudantis de 1968 nada na Universidade levava a imaginar a forte mobilização estudantil que ocorreu em vários países.

Para o autor os estudantes não se identificam com as bandeiras de contestação presentes, por não haver uma proposta que de fato os mobilize e que seja condizente com sua origem social e cultural. Como conseqüência temos uma postura de passividade. Passividade que, de certa forma, torna-se mais progressista do que apoiar questões corporativas de professores ou mesmo seguir uma liderança presa a partidos. Isso se reflete na falta de convocação que o movimento estudantil organizado possui.

O aparelhamento partidário é um fato significativo. O Partido Comunista do Brasil (PC do B) tem no movimento estudantil um de seus principais focos de ação. Com a carteira do estudante a UNE conseguiu a verba necessária para se sustentar e com isso criou condições de ampliar sua atuação nas eleições para Diretórios Centrais Acadêmicos (DCE’s). Há várias gestões a presidência e a maioria da diretoria executiva da UNE fica nas mãos do PC do B, ao privilegiar esse espaço o partido tem conseguido eleger deputados e vereadores em todo o país provenientes dessa militância. Não devemos nos iludir de uma possível pouca expressão do movimento estudantil, esse é um importante espaço social que não deve ficar restrito nas mãos de alguns.

Buarque conclui apontando que "não são os estudantes que mudam, é o surgimento de uma proposta que os unifica, motiva e canaliza suas expectativas", aglutinando e mobilizando os estudantes para que se envolvam mais efetivamente na militância política. O desafio é, portanto, fornecer uma proposta que de fato comunique aos estudantes. Unindo-os em torno de uma pauta de ação que visa ir além de questões macro sociais e politiqueiras, mas que estejam de fato concatenadas com o cotidiano estudantil e acadêmico.


EVANGÉLICOS E POLITICA
No passado a participação política era tratado como algo condenável entre os evangélicos. A figura do crente lembrava um E.T. estava neste mundo, mas não era do mundo. Ao lado disso tínhamos bastante disseminada a perspectiva escatológica de que a piora do mundo marcaria a volta de Cristo. Algo inevitável e até mesmo encarado de que "quanto pior melhor". Assim, o mote evangélico em voga até meados da década de 1980 era "crente não se envolve em política".

Hoje a realidade é bem diferente. É comum ouvirmos que "irmão vota em irmão" e nossas televisões e rádios estão repletas de deputados/pastores ou líderes evangélicos que exercem cargos eletivos. Ouvir sobre a importância da participação na política não é difícil, o que é questionável são as causas apontadas para essa participação. Menos do que evocar noções de cidadania e organização da sociedade civil surge um discurso de que como "cabeça e não cauda" os evangélicos devem tomar "seu" espaço nas esferas de poder. Assim, a participação política deve refletir na defesa de interesses dos evangélicos, evitando que leis contrárias a esses "interesses" sejam colocadas em prática.

Sobre essa perspectiva o Decálogo Evangélico do Voto Ético distribuído pela Associação Evangélica Brasileira em 1994 tem um tópico direto e expressivo: "(...) é mesquinho e pequeno demais pretender eleger alguém apenas para defender interesses restritos as causas temporais da igreja. Um político evangélico tem que ser, sobretudo, um evangélico na política e não apenas um ‘despachante’ de igrejas". Consequentemente, nossa ação na política (estudantil ou de outro tipo) deve-se dar tendo como perspectiva o mandato cultural e o fato de sermos "sal e luz", nunca como uma busca de "ganhos" pessoais ou corporativos.

Mesmo com questionamentos e apontando limitações analistas indicam essa realidade como uma "bem vinda politização" dos evangélicos. No campo político-eleitoral, dentro dessa ativa presença evangélica dos últimos anos, foi criado o Movimento Evangélico Progressista (MEP) que reúne parlamentares evangélicos e sindicalistas vinculados a partidos da oposição (PSB, PPS, PT, PDT, por exemplo) buscando demonstrar que é possível ser cristão e participante de partidos de esquerda. Nesses dias de virada de milênio a comunidade evangélica respira de forma intensa questões políticas e já não é mais novidade ou causa mal-estar a participação nesta área.


CONCLUSÃO
Ao pensar na história do cego Bartimeu (Mc. 10) pergunto-me até que ponto não estamos detidos demasiadamente em nossa marcha (que é com Jesus) e, às vezes, acabamos passando ao largo de questões e de pessoas que merecem mais da nossa atenção. Em relação ao dia a dia do estudante universitário evangélico me arrisco a dizer que provavelmente a militância política é uma dessas coisas que são deixadas de lado, por uma série de justos motivos, mas que talvez esteja gritando como o cego Bartimeu à beira do caminho: "Universitário cristão, tem compaixão de mim!”.

A partir da cosmovisão cristã que nos aponta o mandato cultural devemos ter em mente nossa responsabilidade em participar ativamente da sociedade. Deus nos colocou na universidade e nos chama para "cultivar e guardar" o meio estudantil. Isso se concretiza com um verdadeiro envolvimento com as pessoas e com as estruturas. Isso pode implicar, caso vocacionado, numa ativa participação com cargos e funções ou simplesmente no voto consciente para organismos estudantis e cargos eletivos. O importante é não banalizar ou ignorar a militância política em nossas escolas e faculdades. Como cristãos temos a obrigação de fazer-nos presentes, auxiliando projetos que busquem a justiça (co-beligerância) e denunciando aqueles que se encontram corrompidos (atitude profética). Deus não nos colocou por acaso na universidade brasileira tenhamos compromisso com o chamado que nos é feito e sejamos agentes de disseminação do Reino de Deus entre nossos colegas!
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*Retirado do Manual do Estudante da ABUB (www.abub.org.br).
**Doutorando em sociologia na FFLCH-USP e diretor relações públicas da ABUB. Texto foi escrito por solicitação da Mocidade Para Cristo para publicação em material de apoio para o ministério estudantil.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Ética Ecológica e Espiritualidade: Um Breve Ensaio

Há alguns dias atrás participei da II Conferência de Cultura da Bahia, realizada em minha cidade, Feira de Santana/BA, mais especificamente no campus da UEFS. Foi um evento de uma grandeza inestimável para mim, onde pude (re) contemplar de perto toda a multiformidade e grandeza de nossa identidade cultural. Folgedos, reisados, marchas, e demais celebrações do folclore popular baiano interagindo numa simbiose mágica, quase transcendente. Foi tudo maravilhosamente impactante, mais aqui gostaria de discutir sobre um fato que me gerou uma reflexão acerca da temática a que esse ensaio se propõe. Vamos lá!

Como etnobiólogo, meu interesse e fascínio pelos diferentes povos tradicionais bem como por suas identidades culturais também se faz por ofício. No decorrer do evento, tive o privilégio de conviver de perto com os índios Pataxó, dos quais extrai informações preciosas acerca de seus aspectos culturais em geral (religião, utilizações diversas de recursos naturais, língua, história, ...). Percebi que entre eles, e também todos os povos indígenas em geral, há uma grande devoção pela natureza. Mais do que isso, para eles, natureza e divindade são elementos indissociáveis. Depois de momentos maravilhosos de interação pedi a uma índia que fizesse uma espécie de desenho tribal em alguma parte de meu corpo (escolhi o braço esquerdo). Ela desenhou uma marca que toma toda a parte "de fora" de meu antebraço esquerdo, que significa "rio que corta as aldeias".

O rio para os Pataxó é um elemento simbólico que representa o sangue que corre em suas veias, ou seja, como a própria vida. Daí a importância das expressões simbólicas nas culturas tradicionais em geral. Mas algo me inquietou depois de uma breve e profunda reflexão: será que nós, cristãos, perdemos nossa identidade simbólico-ecológica ao longo de nossa caminhada? Por quê? A custa de quê? Como? Será que "o sangue que corre em nossas veias não é o mesmo sangue que corre nas veias de Deus"? Se assim o fosse, será que o nosso planeta não seria e/ ou estaria hoje mais confiável, mais fraterno e menos degradado em todos os aspectos?

Em termos numéricos, o cristianismo ainda é a maior religião do mundo. Não só o cristianismo, mas as religiões monoteístas em geral são as numerosas e as que mais crescem. Crêem em um Único, Poderoso e Absoluto Deus. Mas isso tá se dando proporcionalmente ao aumento da qualidade de vida de Nossa Mãe Terra? Bom, acho que eu não preciso me dar ao trabalho de responder a essa inquietante questão. O Brasil é um reflexo vivo do quanto a diversidade e o desperdício podem tristemente conviver juntos. Como exemplo, basta dizer que possuímos o maior potencial hídrico do mundo, porém também ocupamos os primeiros lugares nos rankings dos que mais desperdiçam água. Lembrem-se que somos, pelo menos nominalmente, um país majoritariamente cristão.

Sai da experiência citada com a inquietação começar um exercício pessoal de reencantamento com a natureza em geral, a começar pelo cotidiano. Admirarei as rosas-graxas que adornam as esquinas de minhas cidades como nunca, me encantarei com a lua que ilumina minhas noites, cada inseto será para tido como um troféu aos meus olhos. Me encantarei com os rios como o próprio sangue que corre em minhas veias, remetendo à simbologia Pataxó. Jesus tinha essa peculiaridade de se encantar pelo belo e simples ("Olhai os lírios dos campos ... Nem mesmo Salomão, em toda sua glória se adornou como elas"). Tentarei desesperadamente a cada dia resgatar dentro de mim essa dimensão simbólico-ecoló gica ainda tão rica entre os povos tidos como "não-civilizados" e "pagãos" por grande parte dos ocidentais, majoritariamente cristãos (pelo menos nominalmente) . Tenho conseguido alguns êxitos, mas confesso que não tem sido fácil.

Se você, companheira e/ou companheiro, foi contemplado nesse breve ensaio, te convido a fazer o mesmo.

Sola Gratia

Henrique Fernandes de Magalhães
Biólogo, bacharel em Ecologia (UEFS)

terça-feira, 30 de outubro de 2007

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A JUVENTUDE: momento de participação!

Jovens: ‘vós sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós,
e sois vencedores do Maligno’.

(I Jo 2.14)

Nós – jovens evangélicos de onze diferentes denominações e provenientes de 12 unidades da federação, atuantes em nossas igrejas e/ou em organizações evangélicas de juventude – conclamamos os jovens e as jovens evangélicas a participarem dos processos relacionados às discussões sobre as Políticas Públicas de Juventude em curso no Brasil neste momento.

Ao olharmos para a Igreja Evangélica Brasileira percebemos um enorme potencial para a transformação social. De certa forma, a afirmação de que o jovem contemporâneo é apático em relação a qualquer tipo de organização, não se aplica à juventude evangélica. É notável a importância que a igreja dá aos jovens, dando-lhes ministérios como o de louvor e adoração, diaconia, etc. Porém, é preciso que nossas igrejas percebam a capacidade de cada jovem em ser uma agente de transformação. Deus nos chama para sermos profetas em meio a um mundo extremamente desigual economicamente, culturalmente e religiosamente. A juventude evangélica não pode restringir sua participação à organização eclesial; é preciso arregaçar as mangas e amar cada brasileira e brasileiro, reconhecendo neles a imagem de Deus.

Nosso contexto não é muito animador, dados do IBGE, DIESSE, Ministério da Educação, Instituto Cidadania, Banco Mundial, BID, CEPAL, PNUD e UNESCO nos ajudam a dimensionar a situação da juventude no Brasil:

(a) São acerca de 50 milhões de pessoas, 26,4% da população;
(b) Entre os desempregados, 45,5% são jovens; 20,7% são os jovens que possuem alguma ocupação.
(c) Cerca de 3 Milhões de jovens não são alfabetizados. De cada 10 alunos que terminam o 3º ano do ensino médio, 4 destes têm mais de 17 anos e estão em defasagem escolar;
(d) No período entre 1993 a 2002, os homicídios envolvendo jovens passou de 30.586 para 49.6470; as mortes de jovens representaram 62,3% de mortes neste período de 9 anos.
(e) Os jovens sofrem mais com a pobreza do que os idosos. Há uma concentração da pobreza entre a população jovem latino-americana que supera a média de outros estratos populacionais.

Além destes dados, temos uma crise de desesperança que invade o coração de muitos de nós e da juventude de nosso país. A geração atual tem sido chamada de “geração desencantada”. É presente entre muitos jovens a opção simplista de apatia. Mas, também em dias de total desencanto, Deus visitou Ezequiel (Ez 1.1). E, hoje, clamamos ao Senhor para que Ele também nos visite e recebamos dele visões, assim como Ezequiel. Como os profetas, queremos viver os dois eixos da visão: a real visão do mundo que o cerca, do sofrimento causado pelo pecado; e também receber do Senhor visões da Sua glória e do Seu poder, do Seu amor por essa geração que perece sem Ele.

Entendemos que Deus nos chama ao inconformismo (Rm. 12.1-2), e o santo inconformismo nos direciona para um comprometimento inegociável com o Reino de Deus e a Sua justiça. Porém, a simples inconformação nos levaria a amargura e ao desespero. O que esperamos é experimentar a vontade de Deus no mundo. Assim, queremos ser santos como o profeta Isaías, ou como o pastor Martin Luther King Jr., defensor das igualdades entre as raças e dos direitos civis nos Estados Unidos, que escreveu na carta da prisão de Birmingham: “Tenho chorado de desapontamento com a frouxidão da igreja...” (...) No alto do Calvário três homens estão pendurados em cruzes pelo crime de extremismo: dois extremistas da imoralidade e um extremista do amor. O mundo precisa mais do que nunca de extremistas criadores.”

Os últimos anos têm representado momento propício para a participação na esfera política, uma vez que estamos sob uma democracia em que elegemos nossos governantes há quase vinte anos. Diferentemente do que vivíamos na ditadura, em que o Estado se encontrava em oposição à população; hoje ele é fruto do voto e do desejo da maioria. Temos o dever e o direito de acompanhá-lo, fiscalizá-lo, questioná-lo, influenciá-lo e criticá-lo. Além disso, consideramos que o chamado à construção do Reino de Deus é uma tarefa muito maior do que as escolhas que possamos fazer. Ele nos chama tanto para lutar pela emancipação das pessoas de sua situação de opressão (“soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo o julgo” Is 58:6); quanto nos pede para vesti-las e saciá-las a fome (“é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres e desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante” Is 58:7).

O que está em jogo neste momento são discussões que dão subsídios e suporte para toda uma legislação e ação de Estado para a Juventude, definida pela legislação como o período de tempo entre 15 e 29 anos. A Conferência Nacional de Juventude pretende contribuir na mudança da compreensão da sociedade sobre o tema juventude: promover o direito à participação; identificar desafios e prioridades de atuação para o poder público; e fortalecer a rede social e institucional relacionada ao tema. Antes da Conferência Nacional, que acontecerá em Brasília de 27 a 30 de abril de 2008, acontecerão etapas preparatórias como as Pré-Conferências e as Conferências Livres, e as etapas eletivas, que elegem delegados para a etapa nacional, que são as Conferências Municipais e as Estaduais. Maiores informações sobre a Conferência Nacional de Juventude podem ser encontradas no sítio http://www.juventude.gov.br.

Ocorrerá no dia 10 de dezembro a Assembléia de Eleição dos Representantes da Sociedade Civil, que definirá a composição do Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE) para o Biênio 2008 a 2010 (edital disponível em http://feppj.wordpress. com). Identificamos este momento como adequado e crucial para uma maior e efetiva participação das juventudes evangélicas nas Políticas Públicas de Juventude, as organizações interessadas devem se inscrever até o dia 1 de novembro. Com o objetivo de aprofundar e ampliar o debate, gostaríamos de convidar as organizações de juventude evangélicas e seus colaboradores para participarem do II Seminário de Políticas Públicas de Juventude, evento que ocorrerá no dia 09 de dezembro, em Brasília. Maiores informações poderão ser encontradas em http://feppj.wordpress. com ou pelo endereço eletrônico: ppj@abub.org. br.

Esta conclamação é fruto de nosso encontro, no qual nos reunimos para orar, ler a Palavra, conhecer e discutir as Políticas Públicas de Juventude de nosso País. Este momento ocorreu em Brasília, entre 14 e 16 de setembro de 2006, no Seminário de Políticas Públicas de Juventude organizado pela Rede FALE e pelo Movimento Evangélico Progressista (MEP), com o apoio da Visão Mundial e do CONJUVE. Esperamos poder contribuir na reflexão e nas práticas em prol de um maior engajamento social, político e cidadão dos cristãos evangélicos, assumindo uma perspectiva crítica tanto em relação ao papel do Estado como da sociedade civil organizada. O mundo precisa de jovens, homens e mulheres, pobres de espírito, mansos, que tenham fome e sede de justiça, misericordiosos, limpos de coração, pacificadores, que sofram perseguição por uma causa justa, por que deles é o Reino dos Céus. Acreditamos que Deus é poderoso para fazer uma transformação em nossa sociedade muito maior, além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera.

Assinam:

Alexandre Brasil, Rio de Janeiro/RJ, FALE, Presbiteriana;

Ariane Caixeta, Goiânia/GO, ABUB, Cristã Evangélica;

Caroline Santos, Brasilía/DF, MEP, Grão de Mostarda;

Christie Temporim, Belo Horizonte/MG, MEP, Batista Nacional;

Elteney Júnior, Goiânia/GO, MPC, Presbiteriana;

Elter Nehemias, Brasilía/DF, FALE, Congregacional;

Felipe Locatelli, Hortolândia/SP, MEP, Nazareno;

Franqueline Terto, Maceió/AL, FALE, Batista;

Helivete Bezerra, Recife/PE, MEP, Batista;

José Silva Júnior, Belém/PA, MEP, Assembléia de Deus;

Leandro Ambrosio, Belo Horizonte/MG, JUBAM, Batista;

Leandro Silva, Natal/RN, FALE, Casa da Bênção;

Patrick Timmer, Campinas/SP, ABUB, Luterana;

Ricardo Nascimento, Mata S.João/BA, MEP, Batista;

Robinson de Souza, Londrina/PR, MEP, Presbiteriana;

Ronilso Pacheco, São Gonçalo/RJ, Fórum 21, Comunidade S8;

Sergio de Freitas, Vitória/ES, JUMOC, Batista;

Shalon Lages, Salvador/BA, JUMOC, Batista;

Tatiana Koschelny, Bauru/SP, ABUB, Batista.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Mensagem do Rev. John Stott, em Keswick



“O PARADIGMA: TORNANDO-NOS MAIS SEMELHANTES A CRISTO”
Rev. John Stott («)

Lembro-me muito claramente de que há vários anos, sendo um cristão ainda jovem, a questão que me causava perplexidade (e a alguns amigos meus também) era esta: Qual é o propósito de Deus para o seu povo? Uma vez que tenhamos nos convertido, uma vez que tenhamos sido salvos e recebido vida nova em Jesus Cristo , o que vem depois? É claro que conhecíamos a famosa declaração do Breve Catecismo de Westminster: “O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”. Sabíamos disso e críamos nisso. Também refletíamos sobre algumas declarações mais breves, como uma de apenas sete palavras: “Ama a Deus e ao teu próximo”. Mas de algum modo, nenhuma delas, nem outra que pudéssemos citar, parecia plenamente satisfatória. Portanto, quero compartilhar com vocês o entendimento que pacificou minha mente à medida que me aproximo do final de minha peregrinação neste mundo. Esse entendimento é: Deus quer que seu povo se torne semelhante a Cristo. A vontade de Deus para o seu povo é que sejamos conformes à imagem de Cristo.

Sendo isso verdade, quero propor o seguinte: em primeiro lugar, demonstrarmos a base bíblica do chamado para sermos conformes à imagem de Cristo; em segundo, extrairmos do Novo Testamento alguns exemplos; em terceiro, tirarmos algumas conclusões práticas a respeito. Tudo isso relacionado a nos assemelharmos a Cristo.

Então, vejamos primeiro a base bíblica do chamado para sermos semelhantes a Cristo. Essa base não se limita a uma passagem só. Seu conteúdo é substancial demais para ser encapsulado em um único texto. De fato, essa base consiste de três textos, os quais, aliás, faríamos muito bem em incorporar conjuntamente à nossa vida e visão cristã: Romanos 8:29, 2 Coríntios 3:18 e 1 João 3:2. Vamos fazer uma breve análise deles.

Romanos 8:29 diz que Deus predestinou seu povo para ser conforme à imagem do Filho, ou seja, tornar-se semelhante a Jesus. Todos sabemos que Adão, ao cair, perdeu muito — mas não tudo — da imagem divina conforme a qual fora criado. Deus, todavia, a restaurou em Cristo. Conformar-se à imagem de Deus significa tornar-se semelhante a Jesus: O propósito eterno de predestinação divina para nós é tornar-nos conformes à imagem de Cristo.

O segundo texto é 2 Coríntios 3:18: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”. Portanto é pelo próprio Espírito que habita em nós que somos transformados de glória em glória — que visão magnífica! Nesta segunda etapa do processo de conformação à imagem de Cristo, percebemos que a perspectiva muda do passado para o presente, da predestinação eterna de Deus para a transformação que ele opera em nós agora pelo Espírito Santo. O propósito eterno da predestinação divina de nos tornar como Cristo avança, tornando-se a obra histórica de Deus em nós para nos transformar, por intermédio do Espírito Santo, segundo a imagem de Jesus.

Isso nos leva ao terceiro texto: 1 João 3:2: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é”. Não sabemos em detalhes como seremos no último dia, mas o que de fato sabemos é que seremos semelhantes a Cristo. Não precisamos saber de mais nada além disso. Contentamo-nos em conhecer a verdade maravilhosa de que estaremos com Cristo e seremos semelhantes a ele, eternamente.

Aqui há três perspectivas: passado, presente e futuro. Todas apontam na mesma direção: há o propósito eterno de Deus, pelo qual fomos predestinados; há o propósito histórico de Deus, pelo qual estamos sendo transformados pelo Espírito Santo; e há o propósito final ou escatológico de Deus, pelo qual seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é. Estes três propósitos — o eterno, o histórico e o escatológico — se unem e apontam para um mesmo objetivo: a conformação do homem à imagem de Cristo. Este, afirmo, é o propósito de Deus para o seu povo. E a base bíblica para nos tornarmos semelhantes a Cristo é o fato de que este é o propósito de Deus para o seu povo.

Prosseguindo, quero ilustrar essa verdade com alguns exemplos do Novo Testamento. Em primeiro lugar, creio ser importante que nós façamos uma afirmação abrangente como a do apóstolo João em 1 João 2:6: “Aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou”. Em outras palavras, se nos dizemos cristãos, temos de ser semelhantes a Cristo. Este é o primeiro exemplo do Novo Testamento: temos de ser como o Cristo Encarnado.

Alguns de vocês podem ficar horrorizados com essa idéia e rechaçá-la de imediato. “Ora”, me dirão, “não é óbvio que a Encarnação foi um evento absolutamente único, não sendo possível reproduzi-lo de modo algum?” Minha resposta é sim e não. Sim, foi único no sentido de que o Filho de Deus revestiu-se da nossa humanidade em Jesus de Nazaré, uma só vez e para sempre, o que jamais se repetirá. Isso é verdade. Contudo, há outro sentido no qual a Encarnação não foi um evento único: a maravilhosa graça de Deus manifestada na Encarnação de Cristo deve ser imitada por todos nós. Nesse sentido, a Encarnação não foi única, exclusiva, mas universal. Somos todos chamados a seguir o supremo exemplo de humildade que ele nos deu ao descer dos céus para a terra. Por isso Paulo diz em Filipenses 2:5-8: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus , pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”. Precisamos ser semelhantes a Cristo em sua Encarnação no que diz respeito à sua admirável humildade, uma humilhação auto-imposta que está por trás da Encarnação.

Em segundo lugar, precisamos ser semelhantes a Cristo em sua prontidão em servir. Agora , passemos de sua Encarnação à sua vida de serviço; de seu nascimento à sua vida; do início ao fim. Quero convidá-los a subir comigo ao cenáculo onde Jesus passou sua última noite com os discípulos, conforme vemos no evangelho de João, capítulo 13: “Tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois, deitou água na bacia e passou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido”. Ao terminar, retomou seu lugar e disse-lhes: “Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo” — note-se a palavra — “para que, como eu vos fiz, façais vós também”.

Há cristãos que interpretam literalmente esse mandamento de Jesus e fazem a cerimônia do lava-pés em dia de Ceia do Senhor ou na Quinta-feira Santa — e podem até estar certos em fazê-lo. Porém , vejo que a maioria de nós fez apenas uma transposição cultural do mandamento de Jesus: aquilo que Jesus fez, que em sua cultura era função de um escravo, nós reproduzimos em nossa cultura sem levarmos em conta que nada há de humilhante ou degradante em o fazermos uns pelos outros.

Em terceiro lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em seu amor. Isso me lembra especificamente Efésios 5:2: “Andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave”. Observe que o texto se divide em duas partes. A primeira fala de andarmos em amor, um mandamento no sentido de que toda a nossa conduta seja caracterizada pelo amor, mas a segunda parte do versículo diz que ele se entregou a si mesmo por nós, descrevendo não uma ação contínua, mas um aoristo, um tempo verbal passado, fazendo uma clara alusão à cruz. Paulo está nos conclamando a sermos semelhantes a Cristo em sua morte, a amarmos com o mesmo amor que, no Calvário, altruistamente se doa.

Observe a idéia que aqui se desenvolve: Paulo está nos instando a sermos semelhantes a Cristo na Encarnação, ao Cristo que lava os pés dos irmãos e ao Cristo crucificado. Esses três acontecimentos na vida de Cristo nos mostram claramente o que significa, na prática, sermos conformes à imagem de Cristo.

Em quarto lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em sua abnegação paciente. No exemplo a seguir, consideraremos não o ensino de Paulo, mas o de Pedro. Cada capítulo da primeira carta de Pedro diz algo sobre sofrermos como Cristo, pois a carta tem como pano de fundo histórico o início da perseguição. Especialmente no capítulo 2 de 1 Pedro, os escravos cristãos são instados a, se castigados injustamente, suportarem e não retribuírem o mal com o mal. E Pedro prossegue dizendo que para isto mesmo fomos chamados, pois Cristo também sofreu, deixando-nos o exemplo — outra vez a mesma palavra — para seguirmos os seus passos. Este chamado para sermos semelhantes a Cristo em meio ao sofrimento injusto pode perfeitamente se tornar cada vez mais significativo à medida que as perseguições se avolumam em muitas culturas do mundo atual.

No quinto e último exemplo que quero extrair do Novo Testamento, precisamos ser semelhantes a Cristo em sua missão. Tendo examinado os ensinos de Paulo e de Pedro, veremos agora os ensinos de Jesus registrados por João. Em João 17:18, Jesus, orando, diz: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”, referindo-se a nós. E na Comissão, em João 20:21, Jesus diz: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Estas palavras carregam um significado imensamente importante. Não se trata apenas da versão joanina da Grande Comissão; é também uma instrução no sentido de que a missão dos discípulos no mundo deveria ser semelhante à do próprio Cristo. Em que aspecto? Nestes textos, as palavras-chave são “envio ao mundo”. Do mesmo modo como Cristo entrou em nosso mundo, nós também devemos entrar no “mundo” das outras pessoas. É como explicou, com muita propriedade, o Arcebispo Michael Ramsey há alguns anos: “Somente à medida que sairmos e nos colocarmos, com compaixão amorosa, do lado de dentro das dúvidas do duvidoso, das indagações do indagador e da solidão do que se perdeu no caminho é que poderemos afirmar e recomendar a fé que professamos”.

Quando falamos em “evangelização encarnacional” é exatamente disto que falamos: entrar no mundo do outro. Toda missão genuína é uma missão encarnacional. Temos de ser semelhantes a Cristo em sua missão. Estas são as cinco principais formas de sermos conformes à imagem de Cristo: em sua Encarnação , em seu serviço, em seu amor, em sua abnegação paciente e em sua missão.

Quero, de modo bem sucinto, falar de três conseqüências práticas da assemelhação a Cristo.

Primeira: A assemelhação a Cristo e o sofrimento. Por si só, o tema do sofrimento é bem complexo, e os cristãos tentam compreendê-lo de variados pontos de vista. Um deles se sobressai: aquele segundo o qual o sofrimento faz parte do processo da transformação que Deus faz em nós para nos assemelharmos a Cristo. Seja qual for a natureza do nosso sofrimento — uma decepção, uma frustração ou qualquer outra tragédia dolorosa —, precisamos tentar enxergá-lo à luz de Romanos 8:28-29. Romanos 8:28 diz que Deus está continuamente operando para o bem do seu povo, e Romanos 8:29 revela que o seu bom propósito é nos tornar semelhantes a Cristo.

Segunda: A assemelhação a Cristo e o desafio da evangelização. Provavelmente você já se perguntou: “Por que será que, até onde percebo, em muitas situações os nossos esforços evangelísticos freqüentemente terminam em fracasso?” As razões podem ser várias e não quero ser simplista, mas uma das razões principais é que nós não somos parecidos com o Cristo que anunciamos. John Poulton, que abordou o tema num livreto muito pertinente, intitulado A Today Sort of Evangelism, escreveu:

“A pregação mais eficaz provém daqueles que vivem conforme aquilo que dizem. Eles próprios são a mensagem. Os cristãos têm de ser semelhantes àquilo que falam. A comunicação acontece fundamentalmente a partir da pessoa, não de palavras ou idéias. É no mais íntimo das pessoas que a autenticidade se faz entender; o que agora se transmite com eficácia é, basicamente, a autenticidade pessoal”.

Isto é assemelhar-se à imagem de Cristo. Permitam-me dar outro exemplo. Havia um professor universitário hindu na Índia que, certa vez, identificando que um de seus alunos era cristão, disse-lhe: “Se vocês, cristãos, vivessem como Jesus Cristo viveu, a Índia estaria aos seus pés amanhã mesmo”. Eu penso que a Índia já estaria aos seus pés hoje mesmo se os cristãos vivessem como Jesus viveu. Oriundo do mundo islâmico, o Reverendo Iskandar Jadeed, árabe e ex-muçulmano, disse: “Se todos os cristãos fossem cristãos — isto é, semelhantes a Cristo —, hoje o islã não existiria mais”.

Isto me leva ao terceiro ponto: Assemelhação a Cristo e presença do Espírito Santo em nós. Nesta noite falei muito sobre assemelhação a Cristo, mas será que ela é alcançável? Por nossas próprias forças é evidente que não, mas Deus nos deu seu Santo Espírito para habitar em nós e nos transformar de dentro para fora. William Temple, que foi arcebispo na década de 40, costumava ilustrar este ponto falando sobre Shakespeare:

“Não adianta me darem uma peça como Hamlet ou O Rei Lear e me mandarem escrever algo semelhante. Shakespeare era capaz, eu não. Também não adianta me mostrarem uma vida como a de Jesus e me mandarem viver de igual modo. Jesus era capaz, eu não. Porém, se o gênio de Shakespeare pudesse entrar e viver em mim, então eu seria capaz de escrever peças como as dele. E se o Espírito Santo puder entrar e habitar em mim, então eu serei capaz de viver uma vida como a de Jesus”.

Para concluir, um breve resumo do que tentamos pensar juntos aqui hoje: O propósito de Deus é nos tornar semelhantes a Cristo. O modo como Deus nos torna conformes à imagem de Cristo é enchendo-nos do seu Espírito. Em outras palavras, a conclusão é de natureza trinitária, pois envolve o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

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Fonte do original em inglês:
http://www.langhamp artnership. org/2007/ 08/06/john- stott-address- at-keswick/

Tradução: F. R. Castelo Branco Outubro 2007.


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« Rev. John Stott é Reitor Emérito da Paróquia Anglicana de All Souls, em Londres, ex-Capelão de SM a Rainha da Inglaterra, escritor e conferencista internacional. Pregou este Sermão na Convenção de Keswick, em 17 de julho de 2007; a Convenção de Keswick é um encontro periódico de evangélicos de inspiração pietista, na Inglaterra, com a presença de centenas de líderes de diversas denominações e países.