Seguidores

sábado, 3 de novembro de 2007

UNIVERSITÁRIO CRISTÃO:Tenha Compaixão da Militância Política!*

Alexandre Brasil Fonseca**
Certas coisas da vida parecem que não foram criadas para permanecerem juntas. Um jovem, cristão, freqüentando uma igreja evangélica, estudante universitário e que participe ativamente da política estudantil é um desses casos. Primeiro porque é comum o pensamento de que jovem não gosta de política. E em segundo lugar porque alguém já disse que ser evangélico representa dar "sim a Deus e não à vida". Estaríamos diante de uma pessoa, que por ser jovem e evangélica, teria duplo motivo para não ingressar no campo da política.

Ao lado dessa impossibilidade lógica, o estudante evangélico enfrenta ainda o inconveniente de que praticamente todo o movimento estudantil se encontra submerso na participação de pessoas ligadas a concepções socialistas e comunistas de mundo. Pessoas que muitas vezes se referem à religião como "ópio do povo". Se os jovens não se interessam pela política estudantil, menos ainda serão esses entre evangélicos.

Exceções existem e confirmam a regra. No caso de estudantes evangélicos à distância com os acontecimentos políticos é ainda maior se há o desejo ou a prática de evangelizar os colegas da universidade. Pode-se formar um grupo de estudo bíblico ou se programar eventos evangelísticos. Isso toma tempo, energia e afasta ainda mais aqueles que talvez poderiam se envolver na militância política estudantil.

Neste artigo gostaríamos de pensar até que ponto não temos dedicado tempo demais em nossa "missão" na universidade e tempo de menos vivendo a universidade. Deus nos chama para promovermos a reconciliação da humanidade com o seu Criador (2 Co 5:18) e isso passa não só pela pregação do evangelho, mas também pela vivência de forma integral dessa Boa Nova que é marcada pela encarnação do Filho de Deus em nosso mundo.


NOSSO MANDATO
Lemos em Gênesis que ao criar o homem Deus lhe diz para "cultivar o solo e o guardar" (Gn 2:15). Essa passagem é o exemplo daquilo que alguns denominam de "mandato cultural". Como sacerdotes de Deus temos a obrigação de sermos diligentes com a criação divina, cultivando-a e guardando-a. Ao nos fazer a sua imagem e semelhança Deus nos deu capacidade criativa e disto decorre nossa responsabilidade com o mundo.

Por intermédio deste "mandato cultural" somos levados a compreender o evangelho de forma holística, integral. "Cultiva e guardar" implica numa vida responsável com toda criação, não somente a reconciliação do homem com Deus, mas também o desejo de que o Reino de Deus se faça presente em todas as esferas da vida humana da forma mais imediata possível. Assim os cristãos se vêem com a responsabilidade de cotidianamente em suas ações refletirem aspectos de sua filiação a Cristo.

O testemunho cristão transcende a pregação. É preciso vivê-lo. E essa vida se dá no dia a dia do mundo. Desde pequenas atitudes como não jogar papel no chão até grandes imperativos éticos que remetem a honestidade e a promoção de justiça. O testemunho cristão se dá a partir de nosso comportamento em todas atividades: escola, trabalho, esporte, família, lazer, etc. E inclusive em nossas relações envolvendo política: processos eletivos, assembléias, discussões, debates, passeatas, manifestações... Nossas ações devem ter em mente o "cultivo" e o "guardar" da criação.

Ser "sal e luz" implica em fazer diferença onde quer que se esteja, respondendo o "mandato cultural" nas áreas que se referem a nossa vocação. Essa responsabilidade, esse privilégio, implica na dedicação da redenção do mundo pela pregação da pessoa de Cristo como Senhor Salvador e pela ação que clama "Venha Teu Reino". Ação que se dá em práticas que contribuam na promoção de vida. Em suas peregrinações Jesus percebia os que estavam à sua volta, deixando "coisas importantes" para tratar daqueles que estavam à margem, os excluídos pelo sistema. Somos chamados a nos envolver com as pessoas e a buscar estabelecer relações sadias. Devemos viver atentos àqueles que passam desapercebidos à margem de nosso caminho.

Qual será o "mandato cultural" para o jovem universitário? No Brasil representa grande privilégio ter acesso ao ensino superior, o percentual da população que entra em uma universidade é mínimo e ainda menor entre aqueles que conseguem isso gratuitamente em uma das Instituições Federais de Ensino Superior. Ao ingressar em uma universidade o jovem evangélico deve ter em mente sua responsabilidade e papel de ser "sal e luz" nesse meio. De viver o evangelho de forma integral, sendo fiel ao chamado que Deus fez para sua vida.


ENVOLVER-SE COM A UNIVERSIDADE
Como cristãos responsáveis nossa obrigação é o envolvimento com o meio em que vivemos. A universidade é um mundo cheio de liberdades que abre um enorme leque de possibilidades para os recém ingressos. Tudo pode tudo é permitido. Nesses dias de relativismo radical até mesmo o religioso se tornou presença constante entre os estudantes. Ao olhar o meio estudantil vislumbramos um enorme campus "pronto para a colheita" e nos empolgamos com as possibilidades. Gostaríamos de pregar o evangelho a todos os colegas, funcionários e professores e assim buscamos apoio em missões especializadas no ministério entre estudantes. Contudo nossa pregação do evangelho tem que ir além das palavras, ela deve se dar no cotidiano de nossas vidas e isso é mais significativo quando estamos diante da universidade.

Qual é a nossa postura para com a universidade? Qual é o nosso envolvimento com ela? Temos apenas uma preocupação utilitarista e instrumental de garantir nosso diploma? Devemos nos envolver de fato com a universidade, com seu dia a dia, com sua dinâmica. Se a vemos como um campo missionário não podemos deixar de amá-la e assim levar à frente nossa missão nesse meio. Amamos a universidade? De fato nos interessamos com suas tensões e problemas? Nossa pregação é apenas para "desencargo de consciência" ou estamos realmente encarnando o evangelho libertador?

O primeiro passo que devemos dar como estudantes universitários para vivermos o evangelho de forma responsável é buscar conhecer melhor o contexto social que marca o mundo estudantil. Isso só é possível por meio do acesso a informações, tanto as que circulam nas universidades (em murais, circulares, informativos e conversas de corredor) como aquilo que é socializado em jornais, revistas, livros e pela Internet (no final do texto há sugestões de leitura).


O CONTEXTO SOCIAL
A universidade e a sociedade vivem momentos de transição no Brasil e no mundo. Muito se fala em neoliberalismo, globalização ou pós-modernidade. Desse caudal de acontecimentos basta - para o objetivo deste artigo - apontar que vivemos numa era de transições. Novas posturas são exigidas implicando em profundas conseqüências para todos.

A recente introdução de um sistema de avaliação na universidade brasileira, a partir do desempenho dos alunos (provão), custou 1 milhão de reais aos cofres públicos e criou reviravoltas em escolas particulares que se viram denegridas pelo desempenho alcançado. Os contrários ao provão argumentam que a avaliação da universidade deve se dar em todos os níveis e não somente entre os alunos. Assim também deveriam ser avaliados a pesquisa, a extensão e o corpo docente.

A transição que experimentamos na sociedade se reflete em uma situação de crise dentro da universidade. Quando escrevo este artigo os professores e funcionários das Universidades públicas se encontram há mais de um mês em greve por motivos salariais. Alguns falam que o objetivo do governo é privatizar o ensino público superior. O governo nega. Outros apontam que dentro de um mundo globalizado alguns países produzem (produtos e conhecimento) e outros apenas compram. Assim o Brasil e outros países em situação semelhante não têm a necessidade de possuir grandes centros de ensino e pesquisa, pois esse papel já é suficientemente desempenhado por outros países. Bastaria à nós comprar aquilo já produzido.

Ao lado da crise conjuntural que vivemos, outro problema constantemente apontado é a falta de excelência acadêmica em nossas universidades. Afirma-se que vivemos um "pacto de mediocridade" onde o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende. Debilidade técnica e falta de empenho de professores são críticas recorrentes. Uma universidade que deveria formar integralmente seus alunos, oferecendo à sociedade pessoas com capacidade crítica e aptas à pesquisa, acaba produzindo simplesmente mão de obra especializada.

Também temos professores mal remunerados e desanimados com a falta de perspectiva e de avanço da ciência e tecnologia no país. Professores que não se tornam exemplo para seus alunos e que não conjugam sua ética pessoal com aquilo que ensinam. Ao comentar a crise no sistema educacional peruano Juan Carlos Mariateguí afirmou: "A crise da juventude universitária não se reduz a existência de maus professores. Consiste principalmente na falta de verdadeiros professores... a juventude se sente naturalmente órfã de professores e de idéias... As cidades bíblicas pecadoras se perderam por carência de cinco homens justos. A Universidade de São Marcos se perde pela carência de um mestre/professor".

Mas a crise/transição de nossa era atinge diretamente aos estudantes. Torna-os pessoas individualistas, pragmáticas e hedonistas. Um documento da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) ao analisar a situação dos estudantes aponta que como cristãos devemos responder a esses três elementos de forma ativa. Primeiramente a partir da visão do Reino de Deus que se contrapõe as atitudes pragmáticas. Os jovens estão mais interessados com seu sucesso, independentemente em que isso implique. Os fins justificam os meios. Se for preciso mentir, roubar ou vender-se não interessa. O importante é que o objetivo seja alcançado. O evangelho se contrapõe à isso e nos oferece a visão do Reino que nos conduz a uma vida aos pés da cruz de Cristo que age a partir do evangelho, tendo como meta a ética presente na Bíblia. Não fazemos coisas para "nos dar bem", mas para servir à causa do evangelho.

Em relação ao individualismo o evangelho nos aponta o compromisso. Compromisso que nos leva à Deus e à nossa comunidade, levando-nos ao encontro das pessoas. O egoísmo que representa a super-valorização do eu é deixado de lado no momento em que nos comprometemos com o outro, realidade que é expressa no mandamento de Cristo: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda tua força e com todo o teu pensamento, e o teu próximo como a ti mesmo" (Lc 10:27).

A busca do prazer é uma forte característica de nossos tempos. Busca que vai além do sexo, passa pelo consumo de drogas indo até o consumismo e chegando em nossas igrejas por meio de teologias que pregam uma relação com Deus baseada principalmente em prosperidade, lembrando mais uma forma de investimento do que discipulado. À esse hedonismo o evangelho aponta a questão do sacrifício. No Sermão do Monte (Mt 5), por exemplo, ao apontar as bem-aventuranças Jesus afirma que aqueles que buscarem viver o evangelho serão insultados e sofrerão perseguição. Nossa pregação profética aponta injustiças e busca reverter situações de opressão, consequentemente enfrentaremos oposição o que pode representar em nossa vida momentos de sacrifício.

Em relação ao contexto social ainda cabe uma nota relacionada ao movimento estudantil. Já há alguns anos que as organizações estudantis de representação nacional (UNE - União Nacional de Estudantes e UBES - União Brasileira de Estudantes Secundaristas) renasceram de forma mais significativa. Após o golpe militar de 1964 foi somente em meados da década de 1980 e mais recentemente no episódio do impeachment de Fernando Collor que isso ocorreu. Os estudantes foram para as ruas, pintaram a cara.

No livro a Aventura da Universidade Cristovam Buarque aponta que "muitos estranham a morte do movimento discente dentro das Universidades e denunciam este comodismo, quando, na realidade, estudantes nunca se mobilizaram levianamente. Eles só o fazem dentro de um movimento político, quando há propostas para tanto, que visem ao futuro". Buarque lembra que às vésperas dos grandes movimentos estudantis de 1968 nada na Universidade levava a imaginar a forte mobilização estudantil que ocorreu em vários países.

Para o autor os estudantes não se identificam com as bandeiras de contestação presentes, por não haver uma proposta que de fato os mobilize e que seja condizente com sua origem social e cultural. Como conseqüência temos uma postura de passividade. Passividade que, de certa forma, torna-se mais progressista do que apoiar questões corporativas de professores ou mesmo seguir uma liderança presa a partidos. Isso se reflete na falta de convocação que o movimento estudantil organizado possui.

O aparelhamento partidário é um fato significativo. O Partido Comunista do Brasil (PC do B) tem no movimento estudantil um de seus principais focos de ação. Com a carteira do estudante a UNE conseguiu a verba necessária para se sustentar e com isso criou condições de ampliar sua atuação nas eleições para Diretórios Centrais Acadêmicos (DCE’s). Há várias gestões a presidência e a maioria da diretoria executiva da UNE fica nas mãos do PC do B, ao privilegiar esse espaço o partido tem conseguido eleger deputados e vereadores em todo o país provenientes dessa militância. Não devemos nos iludir de uma possível pouca expressão do movimento estudantil, esse é um importante espaço social que não deve ficar restrito nas mãos de alguns.

Buarque conclui apontando que "não são os estudantes que mudam, é o surgimento de uma proposta que os unifica, motiva e canaliza suas expectativas", aglutinando e mobilizando os estudantes para que se envolvam mais efetivamente na militância política. O desafio é, portanto, fornecer uma proposta que de fato comunique aos estudantes. Unindo-os em torno de uma pauta de ação que visa ir além de questões macro sociais e politiqueiras, mas que estejam de fato concatenadas com o cotidiano estudantil e acadêmico.


EVANGÉLICOS E POLITICA
No passado a participação política era tratado como algo condenável entre os evangélicos. A figura do crente lembrava um E.T. estava neste mundo, mas não era do mundo. Ao lado disso tínhamos bastante disseminada a perspectiva escatológica de que a piora do mundo marcaria a volta de Cristo. Algo inevitável e até mesmo encarado de que "quanto pior melhor". Assim, o mote evangélico em voga até meados da década de 1980 era "crente não se envolve em política".

Hoje a realidade é bem diferente. É comum ouvirmos que "irmão vota em irmão" e nossas televisões e rádios estão repletas de deputados/pastores ou líderes evangélicos que exercem cargos eletivos. Ouvir sobre a importância da participação na política não é difícil, o que é questionável são as causas apontadas para essa participação. Menos do que evocar noções de cidadania e organização da sociedade civil surge um discurso de que como "cabeça e não cauda" os evangélicos devem tomar "seu" espaço nas esferas de poder. Assim, a participação política deve refletir na defesa de interesses dos evangélicos, evitando que leis contrárias a esses "interesses" sejam colocadas em prática.

Sobre essa perspectiva o Decálogo Evangélico do Voto Ético distribuído pela Associação Evangélica Brasileira em 1994 tem um tópico direto e expressivo: "(...) é mesquinho e pequeno demais pretender eleger alguém apenas para defender interesses restritos as causas temporais da igreja. Um político evangélico tem que ser, sobretudo, um evangélico na política e não apenas um ‘despachante’ de igrejas". Consequentemente, nossa ação na política (estudantil ou de outro tipo) deve-se dar tendo como perspectiva o mandato cultural e o fato de sermos "sal e luz", nunca como uma busca de "ganhos" pessoais ou corporativos.

Mesmo com questionamentos e apontando limitações analistas indicam essa realidade como uma "bem vinda politização" dos evangélicos. No campo político-eleitoral, dentro dessa ativa presença evangélica dos últimos anos, foi criado o Movimento Evangélico Progressista (MEP) que reúne parlamentares evangélicos e sindicalistas vinculados a partidos da oposição (PSB, PPS, PT, PDT, por exemplo) buscando demonstrar que é possível ser cristão e participante de partidos de esquerda. Nesses dias de virada de milênio a comunidade evangélica respira de forma intensa questões políticas e já não é mais novidade ou causa mal-estar a participação nesta área.


CONCLUSÃO
Ao pensar na história do cego Bartimeu (Mc. 10) pergunto-me até que ponto não estamos detidos demasiadamente em nossa marcha (que é com Jesus) e, às vezes, acabamos passando ao largo de questões e de pessoas que merecem mais da nossa atenção. Em relação ao dia a dia do estudante universitário evangélico me arrisco a dizer que provavelmente a militância política é uma dessas coisas que são deixadas de lado, por uma série de justos motivos, mas que talvez esteja gritando como o cego Bartimeu à beira do caminho: "Universitário cristão, tem compaixão de mim!”.

A partir da cosmovisão cristã que nos aponta o mandato cultural devemos ter em mente nossa responsabilidade em participar ativamente da sociedade. Deus nos colocou na universidade e nos chama para "cultivar e guardar" o meio estudantil. Isso se concretiza com um verdadeiro envolvimento com as pessoas e com as estruturas. Isso pode implicar, caso vocacionado, numa ativa participação com cargos e funções ou simplesmente no voto consciente para organismos estudantis e cargos eletivos. O importante é não banalizar ou ignorar a militância política em nossas escolas e faculdades. Como cristãos temos a obrigação de fazer-nos presentes, auxiliando projetos que busquem a justiça (co-beligerância) e denunciando aqueles que se encontram corrompidos (atitude profética). Deus não nos colocou por acaso na universidade brasileira tenhamos compromisso com o chamado que nos é feito e sejamos agentes de disseminação do Reino de Deus entre nossos colegas!
_______________________
*Retirado do Manual do Estudante da ABUB (www.abub.org.br).
**Doutorando em sociologia na FFLCH-USP e diretor relações públicas da ABUB. Texto foi escrito por solicitação da Mocidade Para Cristo para publicação em material de apoio para o ministério estudantil.

Nenhum comentário: