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quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Ética Ecológica e Espiritualidade: Um Breve Ensaio

Há alguns dias atrás participei da II Conferência de Cultura da Bahia, realizada em minha cidade, Feira de Santana/BA, mais especificamente no campus da UEFS. Foi um evento de uma grandeza inestimável para mim, onde pude (re) contemplar de perto toda a multiformidade e grandeza de nossa identidade cultural. Folgedos, reisados, marchas, e demais celebrações do folclore popular baiano interagindo numa simbiose mágica, quase transcendente. Foi tudo maravilhosamente impactante, mais aqui gostaria de discutir sobre um fato que me gerou uma reflexão acerca da temática a que esse ensaio se propõe. Vamos lá!

Como etnobiólogo, meu interesse e fascínio pelos diferentes povos tradicionais bem como por suas identidades culturais também se faz por ofício. No decorrer do evento, tive o privilégio de conviver de perto com os índios Pataxó, dos quais extrai informações preciosas acerca de seus aspectos culturais em geral (religião, utilizações diversas de recursos naturais, língua, história, ...). Percebi que entre eles, e também todos os povos indígenas em geral, há uma grande devoção pela natureza. Mais do que isso, para eles, natureza e divindade são elementos indissociáveis. Depois de momentos maravilhosos de interação pedi a uma índia que fizesse uma espécie de desenho tribal em alguma parte de meu corpo (escolhi o braço esquerdo). Ela desenhou uma marca que toma toda a parte "de fora" de meu antebraço esquerdo, que significa "rio que corta as aldeias".

O rio para os Pataxó é um elemento simbólico que representa o sangue que corre em suas veias, ou seja, como a própria vida. Daí a importância das expressões simbólicas nas culturas tradicionais em geral. Mas algo me inquietou depois de uma breve e profunda reflexão: será que nós, cristãos, perdemos nossa identidade simbólico-ecológica ao longo de nossa caminhada? Por quê? A custa de quê? Como? Será que "o sangue que corre em nossas veias não é o mesmo sangue que corre nas veias de Deus"? Se assim o fosse, será que o nosso planeta não seria e/ ou estaria hoje mais confiável, mais fraterno e menos degradado em todos os aspectos?

Em termos numéricos, o cristianismo ainda é a maior religião do mundo. Não só o cristianismo, mas as religiões monoteístas em geral são as numerosas e as que mais crescem. Crêem em um Único, Poderoso e Absoluto Deus. Mas isso tá se dando proporcionalmente ao aumento da qualidade de vida de Nossa Mãe Terra? Bom, acho que eu não preciso me dar ao trabalho de responder a essa inquietante questão. O Brasil é um reflexo vivo do quanto a diversidade e o desperdício podem tristemente conviver juntos. Como exemplo, basta dizer que possuímos o maior potencial hídrico do mundo, porém também ocupamos os primeiros lugares nos rankings dos que mais desperdiçam água. Lembrem-se que somos, pelo menos nominalmente, um país majoritariamente cristão.

Sai da experiência citada com a inquietação começar um exercício pessoal de reencantamento com a natureza em geral, a começar pelo cotidiano. Admirarei as rosas-graxas que adornam as esquinas de minhas cidades como nunca, me encantarei com a lua que ilumina minhas noites, cada inseto será para tido como um troféu aos meus olhos. Me encantarei com os rios como o próprio sangue que corre em minhas veias, remetendo à simbologia Pataxó. Jesus tinha essa peculiaridade de se encantar pelo belo e simples ("Olhai os lírios dos campos ... Nem mesmo Salomão, em toda sua glória se adornou como elas"). Tentarei desesperadamente a cada dia resgatar dentro de mim essa dimensão simbólico-ecoló gica ainda tão rica entre os povos tidos como "não-civilizados" e "pagãos" por grande parte dos ocidentais, majoritariamente cristãos (pelo menos nominalmente) . Tenho conseguido alguns êxitos, mas confesso que não tem sido fácil.

Se você, companheira e/ou companheiro, foi contemplado nesse breve ensaio, te convido a fazer o mesmo.

Sola Gratia

Henrique Fernandes de Magalhães
Biólogo, bacharel em Ecologia (UEFS)

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