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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

IMPLICAÇÕES DA REFORMA PROTESTANTE PARA UMA SOCIEDADE PLURAL


Patrick Cézar da Silva*

           
Segundo o Wikipédia a “Reforma Protestante foi um movimento reformista cristão iniciado no início do século XVI por Martinho Lutero, quando através da publicação de suas 95 teses, em 31 de outubro de 1517 na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, protestou contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica, propondo uma reforma no catolicismo.”[1] Este fato proporcionou profundas modificações no mundo ocidental moderno.  Por isso, a Reforma Protestante se torna um evento histórico que traz diversas contribuições para pensarmos a Igreja Evangélica Brasileira atual. Mas, quais seriam estas contribuições? E como podemos pensar a realidade da igreja brasileira, tendo em vista que ela se encontra localizada num contexto de acentuado pluralismo religioso?
            Basta olharmos para as principais grandes cidades no Brasil que iremos notar como essa realidade plural se apresenta. Diversas igrejas e organizações religiosas surgem a cada dia e isso levamos a pensar o quanto a religião virou uma mercadoria. Fato este que motivou Martinho Lutero a produz as suas 95 teses. Assim, vemos que a realidade religiosa vivida por Lutera em 1517 se aproxima de nossa realidade, pois as duas contavam com esta característica de mercantilização da fé e o surgimento de diversas formas para se agradar a Deus.
            Durante a Reforma Protestante foram desenvolvidas as “Cinco Solas” que foram os pilares da Reforma. São elas Sola fide (somente a fé), Sola scriptura (somente a Escritura), Solus Christus (somente Cristo), Sola gratia (somente a graça) e Soli Deo gloria (glória somente a Deus). Estes pilares nos ajudaram a destacar as implicações para se viver o Evangelho de forma coerente neste mundo plural. Vejamos algumas delas.

            Em primeiro lugar, destacamos a unicidade da fé, ou seja, nossa fé não é direcionada a uma variedade de deuses ou de manifestações religiosas, mas devemos concentrá-la somente em Cristo, somente nas Escrituras que revelam o seu plano salvífico e a sua vontade para cada ser humano, dando somente a Deus toda a Glória. Sendo assim, não devemos aceitar práticas que venham tirar Jesus Cristo do centro de nossos cultos ou ainda práticas que venham tentar negociar a exposição bíblica em nossas reuniões. Devemos ter Cristo e sua Palavra como centro em nossas vidas com vistas a glorificamos o único e verdadeiro Deus.

            Segundo lugar, a centralidade de nosso pensamento deve norteada somente pela Bíblia, a Palavra de Deus, e não através da aglutinação de pensamentos humanos ou de filosofias religiosas. Nossas pregações devem ser conduzidas pela Bíblia e nossa prática deve refletir isso. Não devemos ser conduzidos por “filosofias vãs e histórias de velhas caducas” como diz o apóstolo Paulo (Cl. 2.8;1 Tm 4.7), mas devemos viver e proceder a partir do que as Escrituras dizem pra mim.
            Por fim, nossa ação deve ser conduzida por uma total dependência divina. Não há nada que façamos para obtermos a salvação. Todas as nossas obras são consideradas diante de Deus como trapos de imundície (Is. 64.6). Por isso, não é mediante as nossas boas ações que obteremos a vida eterna e muito menos através de sacrifícios diversos, para satisfazer as várias opções de deuses. É somente pela Fé em Cristo e somente por sua Graça que obtemos o precioso dom da salvação. Não há nada que façamos! Nossa postura deve ser confiar e depender unicamente em Deus, mediante a obra de seu Filho na Cruz do Calvário.
            Ao entendermos e praticamos cada um desses princípios é iremos desenvolver um cristianismo coerente e que faz a vontade de Deus em meio a um mundo tomado por esta proposta de pluralidade, onde a verdade é relativa e onde “todos os caminhos levam a Deus” (ou a qualquer deus do seu agrado...). Realidade que apresenta diversas opções, onde, no entanto, Somente uma pode dá sentido à existência do ser humano, e esta verdade é o próprio Filho de Deus, Jesus Cristo.  


* Professor, sociólogo e pesquisador na área de Religião
[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Reforma_Protestante

UM CREDO PARA FUNDAMENTALISTAS


Por Augustus Nicodemus

É só uma sugestão. Acho que posso sugerir, pois fui criado numa denominação fundamentalista e mesmo que não pertença a ela hoje, continuo a ser chamado assim. Portanto, segundo meus críticos, devo entender razoavelmente do assunto.

Creio na inerrância das Escrituras. Isto não quer dizer que eu creio que a Bíblia foi ditada mecanicamente por Deus, que ela caiu pronta do céu, que sua linguagem é científica, que não há erros nas cópias, que as traduções são inerrantes (especialmente a King James), que as cópias em manuscritos existentes são inerrantes, que a Bíblia é exaustiva e que tudo que está na Bíblia é fácil de entender e interpretar. Quer dizer que eu acredito que os manuscritos originais foram infalivelmente inspirados por Deus e que, em conseqüência, a Bíblia é verdadeira em tudo o que afirma. Creio que pelas cópias existentes podemos ter certeza quase plena do que havia nos originais e que muitas das partes polêmicas e difíceis de interpretar não afetam a compreensão correta do todo.

Creio na divindade de Jesus Cristo. Isso não quer dizer que eu negue sua plena humanidade, a realidade de suas tentações, a sua preocupação com os pobres e as questões sociais. Não quer dizer que eu negue que ele foi gente de verdade, capaz de rir, de chorar, que passou por perplexidades e que aprendeu muita coisa gradativamente como as outras pessoas. Quer dizer tão somente que creio que ele era verdadeiro Deus e verdadeiro homem, muito embora eu não tenha todas as respostas para as perguntas levantadas pela doutrina das suas duas naturezas. Creio que sua morte na cruz tem eficácia para perdoar meus pecados, visto que não era um mero homem morrendo por suas próprias faltas. Sua vida, suas ações e seus movimentos podem servir de modelo para mim, embora sua religião não possa, pois ele não era cristão, como eu já disse em outra postagem.

Creio em todos os milagres que a Bíblia relata. Isso não quer dizer que eu acredite que milagres acontecem todos os dias, que milagres contemporâneos são indispensáveis para que eu acredite em Jesus Cristo, que Deus cura somente pela fé e que tomar remédio e ir ao médico é pecado. Também não quer dizer que eu acredite que os milagres narrados na Bíblia foram coincidências com fenômenos naturais, interpretados pelos antigos como ações de Deus, como uma enchente de barro vermelho no Nilo que parecia sangue, um tremor de terra exatamente no mesmo momento em que Josué mandou tocar as trombetas em Jericó ou um eclipse na hora que ele mandou o sol parar. Quer dizer que eu creio que os milagres bíblicos realmente aconteceram conforme estão escritos, que não são mitos, lendas, sagas, estórias ou midrashes. Creio que Deus, se quisesse, poderia fazê-los todos de novo hoje apesar de que, mesmo assim, os incrédulos continuariam a procurar outras explicações.

Creio na ressurreição física de Cristo de entre os mortos. Isso não quer dizer que eu coloque o corpo acima do espírito e nem que eu seja um ingênuo que ignora o fato que cadáveres não revivem cotidianamente. Também não quer dizer que eu ignore as tentativas de explicações alternativas existentes para o túmulo vazio, a falta do corpo de Jesus até hoje e a mudança de atitude dos discípulos. Também não quer dizer que eu acredito que Jesus hoje apareça diariamente às pessoas. Quer dizer que eu creio que ele realmente ressurgiu dos mortos e que vive eternamente com aquele corpo ressurreto e glorioso, com o qual retornará em data não sabida a esse mundo, para buscar os seus e julgar os demais. Creio que a ressurreição de Cristo é essencial para o Cristianismo. Se Cristo não ressuscitou fisicamente dos mortos, o Cristianismo é uma farsa.

Creio que somente mediante a fé em Jesus Cristo como único Senhor e Salvador é que as pessoas podem ser perdoadas e salvas. Isto não quer dizer que eu desconheça o fato de que existem pessoas de bem, honestas, sinceras e de boa conduta entre aqueles que não acreditam em Deus e muito menos em Cristo. Tampouco quer dizer que todos aqueles que têm fé em Jesus Cristo são perfeitamente bons, justos e santos. O que eu quero dizer é que somos todos pecadores, uns mais, outros menos, uns ostensivamente, outros em oculto, e que somente pela confiança no que Cristo fez por nós é que poderemos ser aceitos por Deus – e não por méritos pessoais. Neste sentido, acredito que fora da fé em Cristo não há salvação, perdão ou reconciliação com Deus.

Creio em verdades absolutas. Isto não quer dizer que eu ignore que as pessoas têm diferentes compreensões de um mesmo fato. Quer dizer apenas que, para mim, quando não se complementam, tais diferentes compreensões são contraditórias e uma delas – ou várias – devem estar erradas. Acredito em absolutos morais, em leis espirituais de natureza universal, em declarações unívocas e também que Deus se revelou de maneira proposicional nas Escrituras.

Creio em tolerância. Isto não quer dizer que eu seja inclusivista e relativista, mas simplesmente que não deixarei de me relacionar com uma pessoa simplesmente porque considero que ela está equivocada teologicamente. Para mim, a tolerância pregada pelo mundo moderno é aquela característica de pessoas que não têm convicções, que não têm opiniões formadas sobre nada e que vivem numa perpétua metamorfose ambulante. Eu acredito que é possível, sim, ter convicções profundas – especialmente na área de religião – e ainda assim se manter o diálogo com quem diverge.

Tem mais coisa a ser incluída neste credo fundamentalista, mas tá bom. O que eu quero mostrar é que tem muita gente que tem o mesmo credo acima, e que é fundamentalista sem saber. Alguns ultra-fundamentalistas vão achar que eu sou liberal. 



                

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Culturas urbanas: um desafio para a igreja na cidade

O contexto urbano oferece uma diversidade de grupos que precisam ouvir o evangelho. A igreja deve estar preparada para lidar com a diversidade cultural da cidade. Ela não pode se esquivar dessa responsabilidade, pois foi chamada para brilhar nas trevas. Para isso é preciso que estejamos prontos a nos aperfeiçoar e investir recursos no alcance dos grupos urbanos.

A preparação dos cristãos deve começar com uma perspectiva teológica que permita ver o homem além do estereótipo. Grupos como góticos, punks, prostitutas, travestis, homossexuais, etc. dificilmente frequentarão uma igreja tradicional. A pressão exercida pela igreja local é um empecilho àqueles que desejam se aproximar de Deus sem serem rechaçados por causa do seu estilo de vida.

A Bíblia nos mostra uma antropologia que coloca todos os homens como pecadores (Romanos, 3:23) e criados a imagem de Deus (Gênesis, 1:26). Um estilo de vida só nos torna diferentes superficialmente, mas interiormente somos todos iguais. A igreja não pode permitir que o estilo de vida seja um empecilho ao anúncio do evangelho. A mensagem que recebemos de Deus em sua palavra precisa transpor a capa do coração pecaminoso.

Aceitar um gótico parece ser algo inimaginável para algumas igrejas. Muitos membros têm suas razões para rechaçarem os tatuados e seus piercings. Acham que aquilo não condiz com o templo. Numa sacralização do humano criam uma cultura que repele os sedentos de Deus. Deixam de ser a fonte de vida, permitindo que muitos morram de sede espiritual. Para aqueles é melhor continuar sua vida na escuridão e em suas práticas pecaminosas a ter que encarar os olhares preconceituosos dos que julgam estar num “patamar superior”.

Enxergar além das imagens externas é um desafio para os cristãos que estão acostumados a uma cultura humana sacralizada. Num primeiro momento aceitar os que vêm do mundo marcados por histórias excêntricas é quase um pecado. Exige-se uma transformação imediata. Todavia, como transforma uma vida em tão pouco tempo? Assim como uma ovelha que andou por entre os carrapichos da vida essas pessoas precisam do nosso amor. Este nos capacitará a tirar os espinhos da nova ovelha.

Na conversão todos nós recebemos um novo princípio, pelo qual agimos por toda a vida. Esse princípio não opera uma mudança instantânea. Um drogado pode levar anos de tratamento até poder se libertar das drogas. A mudança é paulatina. Aos poucos os vícios vão sendo curados, contudo o indivíduo não será perfeito. Por outro lado, o discipulado auxiliará na lapidação do caráter do neófito. O evangelho dar os seus frutos quando o terreno do coração é bem cuidado. Aqueles a quem tratamos precisam aprender a frutificar segundo o evangelho. Nosso papel é ajudá-los a viverem como Cristo.

A igreja do século XXI é uma igreja urbana. Precisamos nos inteirar dos dilemas urbanos e intervir por meio do evangelho nas várias culturas existentes na cidade. 
Fonte:  http://missiocrista.blogspot.com/2011/10/culturas-urbanas-um-desafio-para-igreja.html

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A igreja e o apoio a jovens vocacionados

Karen Ribeiro

Quando senti o chamado de Deus, foi um misto de alegria, medo e dúvida. Poderia Deus estar chamando uma jovem de 21 anos, empregada, cursando faculdade e saindo de um período de depressão? Sei que Deus pode todas as coisas. Surgiram perguntas e eu não sabia o que fazer ou que direção tomar depois do “chamado”.

Ao conversar com um amigo missionário, obtive algumas informações. Compartilhei com meu pastor, que me apoiou, e passamos a nos informar sobre cursos preparatórios. Assim, com o apoio da minha igreja, comecei a sentir que não estava mais sozinha, e isso foi de grande valia.

Sou de uma igreja do interior do Paraná que, assim como outras, enfrenta dificuldades para estruturar o ministério de missões. Louvo a Deus por ter uma liderança disposta e por não ter caído no descrédito pelo fato de ser jovem.

Muitas igrejas não estão equipadas para orientar vocacionados e correm o risco de perder essas pessoas durante o caminho, já que elas precisam de um acompanhamento específico.

Muitos estão sendo chamados e isso é resposta de oração. O desafio para as igrejas é cuidar de seus jovens, não ver a pouca idade com preconceito e dar o suporte necessário. Aos jovens vocacionados, o desafio é tão-somente obedecer ao chamado de Deus. Quanto à orientação primária que por algum motivo não nos tenha sido dada, cabe a nós a tarefa de voltar e auxiliar na estruturação de um ministério de missões em nossas igrejas e ampliar o conhecimento delas, visando uma assistência adequada para os próximos vocacionados. Devemos fazer como Josué e Calebe, que tiveram a missão de ir à frente e colher informações para seu povo (Nm 13). O campo missionário está sedento e escasso de mão-de-obra. Essa realidade está bem próxima de nós; afinal, é a nossa casa, a nossa família que pede ajuda.


Karen Ribeiro, 23 anos, faz o curso de missão integral no Centro Evangélico de Missões, em Viçosa, Minas Gerais.
 
Fonte:  http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/318/a-igreja-e-o-apoio-a-jovens-vocacionados

A Reforma Protestante e a espiritualidade clássica

Osmar Ludovico

A igreja evangélica atual tem origem na Reforma, e ao longo do tempo recebeu a contribuição de diversos movimentos, como anabatismo, puritanismo, pietismo, avivamentos do século 18, sociedades missionárias, fundamentalismo, pentecostalismo clássico e missão integral. O conjunto destes movimentos iniciados com a Reforma é o que conhecemos como protestantismo. Vivemos atualmente sob o impacto do controverso movimento neopentecostal. Foram sopros do Espírito Santo ao longo da história, intervenções de Deus para dentro da realidade humana, com suas instituições, seu poder político e econômico. Nenhum destes movimentos é perfeito -- cada um deles tem luzes e sombras. É um equívoco abraçar algum deles incondicionalmente. A tendência que se observa é abraçar um destes movimentos como a última e definitiva revelação de Deus e excluir os demais, considerando-os inferiores e muitas vezes até hereges.

Como cada um destes movimentos tem aspectos positivos e negativos, torna-se fácil criticá-los e combatê-los, principalmente porque, em geral, a partir da segunda e da terceira gerações após a visitação de Deus, a tendência é o engessamento e a institucionalização, com suas estruturas de poder.

Ser evangélico hoje significa andar nos passos dos reformadores e destas outras contribuições, seja buscando alguma integração, seja na ênfase de uma só delas. No entanto, não se trata de eleger uma ou outra, mas de discernir o sopro do Espírito, que, de tempos em tempos, renova algum aspecto que foi negligenciado ou esquecido da teologia e da prática de Jesus de Nazaré. Trata-se de julgar e reter o que há de bom em cada uma delas e receber com alegria esta preciosa herança, aprendendo com a história e com aqueles que trilharam o caminho da fé, da esperança e do amor antes de nós.

A Reforma aconteceu no século 16. O que podemos aprender dos primeiros 1500 anos da história da Igreja? Muitos evangélicos esclarecidos dizem: nada. Antes da Reforma só existiam duas igrejas cristãs: a romana e a ortodoxa. Lutero e Calvino eram agostinianos e lemos abundantes citações dos Pais da Igreja nas “Institutas” de Calvino. Precisamos confessar, como evangélicos, nosso preconceito e orgulho. Até hoje, olhamos com suspeita para tudo o que aconteceu no seio da Igreja de Cristo anterior à Reforma por considerar esta contribuição como católico-romana e achar que do catolicismo não pode vir nada valioso.

Durante os primeiros 1500 anos de história da Igreja, o Espírito Santo soprou várias vezes. A espiritualidade clássica engloba a contribuição dos santos e doutores da igreja nos movimentos da patrística, da monástica e da mística medieval, isto é, o vento do Espírito anterior à Reforma.

O que se observa hoje é que alguns protestantes se debruçam sobre este período, a espiritualidade clássica, com o desejo de aprender e integrar na experiência evangélica aquilo que há de bom. Evangélicos como Hans Burki, James Houston, Eugene Peterson, Alister McGrath, Richard Foster, Ricardo Barbosa estão redescobrindo a riqueza da espiritualidade clássica, como contribuição vital para a igreja de hoje. Católicos contemporâneos, como Henri Nouwen, Anselm Grun, Thomas Merton e outros, também buscam resgatar esta tradição. A Comunidade de Taizé, fundada pelo reformado Irmão Roger, tem alcançado muitos jovens na Europa e outros países, com sua proposta de reconciliação, integrando o que há de bom nas tradições ortodoxa, católica e reformada.

É uma falácia achar que a Reforma do século 16, apesar de sua importância fundamental, é o único e definitivo mover do Espírito Santo na história da Igreja e que nada de bom aconteceu nos séculos precedentes. Felizmente, para nós, estes antigos movimentos estão documentados e podemos aprender com eles.

Alguns esclarecimentos que se fazem importantes acerca da espiritualidade clássica:
1. Não é um produto. Não é mais uma mercadoria na prateleira religiosa para um mercado ávido por consumir novidades. Trata-se de um olhar mais profundo para os conteúdos e a prática da fé cristã, ancorado na experiência com a Palavra e com o Espírito Santo, para vivermos a vida de Cristo em nós.

2. Não é uma prática mística, alienante, baseada em técnicas religiosas que produzem sensações agradáveis e felicidade instantânea. Suas ênfases no silêncio e na solitude, na meditação e na contemplação não são fins em si mesmos, mas meios para uma vida de santidade e serviço ao próximo. Com a “Lectio Divina”, nós evangélicos podemos resgatar uma leitura bíblica com o coração, com os afetos.

3. Embora a monástica seja malvista pelos evangélicos, é inegável seu impacto no Ocidente. No terceiro século, após a conversão de Constantino e de o cristianismo se tornar a religião oficial do império, homens e mulheres se retiraram em regiões ermas e remotas para orar e ler a Bíblia. Surgiram os mosteiros e as regras. Ao redor do mosteiro floresceu a civilização ocidental: a biblioteca gerou a academia, o espaço do sagrado atraiu artistas, o “ora et labora” desenvolveu tecnologias de cultivo, preparo e conservação de alimentos.

4. O resgate da espiritualidade clássica não busca resultados, ou conquistar o mundo; muito menos causar um impacto na igreja. Em vez disso, se remete ao simples, ao pequeno, ao fraco. Não é para ser “marqueteado”, sistematizado, explicado, reproduzido. Não busca uma recompensa imediata. Não é para ganhar nada; é um caminho para aqueles que amam o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para aqueles que abriram mão do poder e querem simplesmente crescer na comunhão com Deus, ouvir sua voz e responder com dedicação e consagração.

A “multiforme” sabedoria de Deus não é uma experiência de conhecimento que pertence a um indivíduo, a um grupo ou a um movimento. Ela engloba o patrimônio de revelação de Deus por meio da história da Igreja. Ou seja, as muitas vezes que o Espírito Santo revitalizou, renovou, corrigiu, avivou e despertou o povo de Deus de seus desvios e acomodações ao longo dos séculos e através das nações, nas três confissões cristãs: ortodoxa, romana e reformada.

Para isto, há que se vencer o preconceito evangélico, que considera que tudo o que é católico é herético e, ao fazer isto, se autoproclama dono da verdade. Assim rejeita o Pastor de Hermas, Clemente, Justino, Inácio de Antioquia, Orígenes, Policarpo, Pacômio, Antão, Bento, Atanásio, Crisóstomo, Gregório Nazianzeno, Basílio, Agostinho, Bento, Bernardo de Claraval, Francisco de Assis, Tomás de Aquino, Catarina de Siena, Inácio de Loyola, Savonarola, João da Cruz, Tereza D’Ávila, Bartolomeu de las Casas, Tereza de Calcutá e muitos outros. Estou certo de que a leitura dos pais orientais, dos santos místicos e dos doutores do passado e a apreciação do exemplo de suas vidas podem contribuir decisivamente para a igreja do século 21.

E, claro, integrando com a contribuição de John Wycliffe, Jan Huss, Lutero, Calvino, Zwínglio, George Fox, John Bunyan, John Knox, Conde Von Zinzendorf, John Wesley, Jacob Spener, George Whitefield, Charles Finney, Jonathan Edwards, D. L. Moddy, William Carey, Hudson Taylor, David Livingstone, William Booth, Karl Barth, Paul Tillich, Dietrich Bonhoeffer, Martin Luther King, John Stott, René Padilla, Samuel Escobar e tantos outros.

Sim, sou um reformado evangélico: “Sola Scriptura”, “Sola Gratia”, “Sola Fide”, “Solus Christus”, “Soli Deo Gloria”. E aberto para aprender e integrar a espiritualidade clássica em minha experiência cristã. Aprecio e sou edificado com o que aconteceu em Niceia (325), Monte Cassino (529), Assis (1223), Wittenberg (1517), Westminster (1647), Azuza Street (1905), Medellin (1968), Lausanne (1974) e com outros momentos em que o Espírito soprou na história da Igreja. É importante e promissor este diálogo entre a Reforma Protestante e a espiritualidade clássica, integrando o que há de bom nestes movimentos.

E prossigo no meu caminho: na intimidade com o Pai, sob a direção da Palavra e a inspiração do Espírito Santo; buscando a santidade de Cristo e, com a Igreja, anunciando o evangelho e servindo aos pobres. Quando falho, me arrependo, experimento a graça perdoadora e recomeço.


• Osmar Ludovico da Silva foi pastor durante trinta anos e hoje dedica-se a dirigir grupos de formação espiritual. Mora com a esposa, Isabelle, em Lauro de Freitas, BA, e participa da Igreja Batista de Vilas do Atlântico. É autor de “Meditatio” e se identifica com a missão integral e a espiritualidade clássica.
 
Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/320/a-reforma-protestante-e-a-espiritualidade-classica/Miss%E3o+Integral

Dossiê JUVENTUDE - Revista ULTIMATO

Coração, juventude e fé: quem são, o que pensam e o que fazem os jovens evangélicos

“Juventudes” é um termo cunhado para expressar que as pessoas entre 15 e 24 anos (critério da ONU), ou entre 14 e 30 anos, faixa etária usada pelo Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE), apesar de fazerem parte do grupo “juventude”, não apresentam muitas características comuns a todos. Elas vivem realidades diferentes e se apresentam em subgrupos. O mesmo acontece com os evangélicos: as juventudes são muitas e diversas!

No início do Ano Internacional da Juventude (agosto de 2010 a agosto de 2011) lançado pela ONU, e um ano depois do Ano das Juventudes na Ultimato, dedicamos a matéria de capa desta edição aos jovens.

Os textos e as análises da pesquisa “Juventude evangélica: crenças, valores, atitudes e sonhos” são da autoria de Daniela Cabral (25), Paula Mendes (28), Lucas Rolim (23) e Klênia Fassoni (49), exceto quando o nome do autor é mencionado.

Um retrato da juventude evangélica -- crenças, valores, atitudes e sonhos

Em 1968, o então jornal Ultimato, noticiando o aniversário de 17 anos da Mocidade Para Cristo, divulgou alguns dados da entrevista feita pela revista Manchete com estudantes universitários para reforçar “o já conhecido declínio da religião entre os jovens: três em cinco universitários reconhecem que são menos religiosos que seus pais, 40% declaram pertencer à religião apenas por tradição e 69% deles julgam que a humanidade se afasta cada vez mais das ideias de Cristo”.

Uma recente reportagem da revista Época (“Jovens redescobrem a fé”) cita dados da Fundação Getúlio Vargas para mostrar o atual fervor religioso dos jovens. Mais de 90% dos jovens brasileiros entre 20 e 24 anos declaram ter alguma crença. Em comparação com as outras faixas etárias pesquisadas, o número é o mais alto de todos. Dos jovens entre 20 e 24 anos, 14,16% se declararam evangélicos, 73,5% afirmaram que são católicos, 2,96% creem em outras religiões e 9,38% se definem como sem-religião.

Os dados obtidos pelo Instituto alemão Berelsmann Stifung, a partir de pesquisa feita em 21 países, coloca o jovem brasileiro como o terceiro mais religioso do mundo, perdendo para os nigerianos e guatemaltecos. Entre os jovens brasileiros, 95% se dizem religiosos e 65% afirmam que são profundamente religiosos.

Mas quem são, o que pensam e o que fazem esses jovens religiosos? E os jovens evangélicos? A pesquisa “Juventude Evangélica: crenças, valores, atitudes e sonhos”,* feita pela Editora Ultimato em julho de 2010, responde parcialmente a essas perguntas. Os resultados não podem ser generalizados. O que se tem é o retrato parcial de uma das juventudes evangélicas: jovens direta ou indiretamente ligados à editora. A esse viés se juntam a metodologia usada para a pesquisa (internet) e -- derivado de sua ligação com Ultimato -- o fato de se concentrarem nas igrejas históricas (apenas 19% são de igrejas pentecostais). Para exemplificar os contrastes entre essa amostra e a juventude em geral: entre os que responderam a pesquisa, a quantidade de jovens que estão cursando ou que já concluíram algum curso superior é de mais de 80% -- uma taxa inversa a da população brasileira total. (veja Passando a perna nas estatísticas).

Com isso em mente, é possível obter muitas informações e conclusões interessantes e surpreendentes!

A pesquisa
O questionário foi preenchido por 1960 jovens entre 13 e 34 anos. Todos os estados foram representados, sendo que os de maior representatividade foram São Paulo (20%), Rio de Janeiro (19%) e Minas Gerais (13%).

Ao todo, 61% deles moram com os pais -- quase a mesma porcentagem de jovens solteiros (68%). Dos motivos para a permanência na casa dos pais, 22% alegam não ter dinheiro para se sustentar sozinhos e 17% alegam ter um bom relacionamento com os pais e gostar da companhia deles. Entre os outros motivos alegados, alguns disseram não sair de casa porque ainda não casaram e alguns disseram que não podem sair porque apoiam a família financeira ou emocionalmente. Parece que eles estão cumprindo à risca a ordem: Deixará o homem a sua família...

Sobre ser jovem
As respostas às perguntas sobre a melhor e a pior coisa em ser jovem têm forte ênfase no futuro, como era de se esperar. A maioria respondeu que a melhor coisa em ser jovem é ter um futuro cheio de diversas possibilidades (65%). Quanto à pior coisa, 35% concordam que é a preocupação com o futuro e 32% acham que é a insegurança ou medo de tomar decisões. Apenas 2% acham que é não ter emprego e 3% que é o controle dos pais.

Entre as três atividades que mais ocupam os jovens nos fins de semana estão: ir à igreja (85%), navegar na internet (48%) e sair com os amigos (47%). As três atividades de um fim de semana ideal são: ir à igreja (91%), sair com os amigos (63%) e sair com o namorado (44%). As atividades de lazer estão mais restritas à televisão e à internet. A comparação entre o que é considerado ideal e o que eles de fato fizeram no último fim de semana revela um pouco de suas ambiguidades. Nem todas as atividades consideradas ideais estão entre as atividades realizadas. As maiores discrepâncias são: apenas 9% acham que navegar na internet é uma atividade ideal, mas quase 40% fizeram isso no fim de semana; apenas 4% acham que assistir televisão é uma atividade ideal, mas 28% disseram ter feito isso no fim semana; e 44% disseram que sair com o/a namorado/a é uma atividade ideal, mas apenas 19% disseram ter feito isso no fim de semana.

Sobre militâncias
A maior participação se dá em grupos e movimentos jovens vinculados a igrejas: cerca de 79% dos jovens participam, 14% não participam, mas gostariam de participar, e apenas 4% não gostariam de participar. A maior rejeição se dá com relação à participação em partidos políticos: 72% dos jovens não participam e não gostariam de participar. Os dados sobre a participação em movimentos ambientalistas, voluntários em ONGs e em trabalhos comunitários colocam em evidência o potencial mobilizador das organizações sociais para tantos jovens com predisposição de serem voluntários. Estranha-se a porcentagem de 29% para os que não participam e não desejam participar de movimentos ambientalistas, já que esta é uma opção tão em voga atualmente. A participação (32%) somada à predisposição para participar em movimentos estudantis (28%) é um dado surpreendentemente alto.

Segundo os jovens, os três principais problemas do Brasil são a distância de Deus (44%), a desigualdade social (13%) e a má administração pública (12%). Houve grande concentração em uma resposta religiosa, enquanto problemas mais estruturantes tiveram um índice relativamente baixo.

Sobre personalidades

Os entrevistados foram solicitados a citar o nome de uma pessoa, conhecida do público geral, brasileira ou não, que eles admirassem. As respostas citam principalmente personalidades ligadas à política, esporte, artes e literatura. Apenas quatro pessoas foram lembradas por mais de oitenta jovens (equivalente a 5% dos entrevistados), o que mostra grande diversidade de opiniões. O nome mais citado foi o de Marina Silva, admirada por 140 pessoas. Kaká foi citado por 119, Lula por 114 e Nelson Mandela por 81 pessoas. Jesus foi lembrado por 58 e Bono Vox por 45. Martin Luther King Jr. foi citado por quarenta e Angelina Jolie, por 22. Foram lembrados também os nomes de Cristovam Buarque (19), José Alencar (18), Silvio Santos (17), C. S. Lewis (17), Obama (17), Luciano Huck (13), Steve Jobs, Madre Tereza e Ayrton Senna (12), Bernardinho (11) e Lutero (10). Dez pessoas disseram admirar o próprio pai. Ao todo foram citados 240 nomes.

Entre as pessoas mais admiradas, conhecidas no meio evangélico, foram citados 340 nomes, e a dispersão de votos foi ainda maior, o que demonstra mais uma vez a falta de unanimidade. O mais citado é Silas Malafaia (105), seguido por Ana Paula Valadão (75), Kaká (56), Ariovaldo Ramos (53), Jesus (45), Ed René Kivitz (45) e Caio Fábio (43). Algumas pessoas dizem admirar Ricardo Gondim (38), C. S. Lewis (29), Ronaldo Lidório (27), Fernanda Brum (27), Russel Shedd (25), Marina Silva (25), Billy Graham (24) e John Piper (23). Dez pessoas disseram admirar o próprio pastor. 


Passando a perna nas estatísticas

"A chance de um brasileiro, entre os 20% mais pobres, de mãe com menos de 25 anos atingir o último ano do Ensino Superior é menor do que as chances de um brasileiro morrer por conta de um raio (1,3 em 10 mil e 1,9 pessoas em 10 mil, respectivamente)."

Ainda que não tão drásticos, os dados recentemente divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral de que um em cada cinco brasileiros (27 milhões) não foi à escola ou é analfabeto, e de que o país tem ainda mais eleitores analfabetos do que formados numa faculdade têm que nos chocar.

Dos jovens que responderam à pesquisa “Juventude Evangélica”, realizada pela editora Ultimato, mais de 80% são universitários ou já concluíram seus cursos. Um retrato inverso ao da sociedade brasileira.

No entanto, é tremendamente inspirador tomar conhecimento de resultados que passam a perna nas estatísticas. Contra todas as probabilidades, coisas incríveis podem acontecer. Este é o caso do Programa de Educação em Células Cooperativas (www.prece.ufc.br), em Fortaleza, CE, que organizou Escolas Populares Cooperativas (EPC’s) em oito municípios cearenses. Em 16 anos de atuação, 412 estudantes já puderam ingressar no ensino superior através desse programa, a maioria deles na Universidade Federal do Ceará. Mais de sessenta já estão graduados, incluindo os doze que cursam mestrado ou doutorado. Nas EPC’s, os estudantes se organizam em células de aprendizagem, se ajudam para ingressarem no ensino superior e, após o ingresso, retornam para as comunidades de origem para ajudarem outros a fazerem o mesmo e para promoverem desenvolvimento local.

Que os jovens com curso superior sejam gratos por este privilégio. Que não se intimidem com estatísticas e probabilidades e sejam promotores de justiça e misericórdia com os menos privilegiados.


De gerações e emblemas

Reinaldo Percinoto Jr.

Ao participar de uma mesa redonda sobre juventude e participação política, fizeram-me a seguinte pergunta: a juventude atual é alienada, descomprometida ou mal informada?

Responder de maneira simplista ou automática pode nos levar a um reducionismo. Precisamos ter em mente aquilo que é “emblemático”, de acordo com a orientação do antropólogo Gilberto Velho, pois o que caracteriza um grupo, aquilo que é seu “emblema”, nem sempre é compartilhado pelo conjunto. Velho argumenta que talvez nem 10% dos jovens dos anos 60 tenham participado do movimento estudantil, assim como nem todo adolescente urbano de hoje frequenta raves ou consome ecstasy.

A socióloga Maria Isabel Mendes de Almeida, que publicou um estudo em que compara a época da contracultura dos anos 60 e a de hoje, diz que o roteiro do jovem de agora está “bem distante de questionamentos políticos ou culturais. Não quer a ruptura, o pai dele já fez isso; quer a continuidade”.

O jornalista e escritor Zuenir Ventura afirma que aquela geração, marcada pelo ano de 1968, “queria tudo a que não tinha direito; a atual tem tudo que precisa, e por isso se apresenta cheia de ambiguidades e paradoxos. [...] Desapegada ideologicamente, essa turma bem de vida e de poder aquisitivo não se interessa pela política, não tem preocupações sociais e não protesta nem contesta, pelo menos não da forma como faziam os seus antepassados quarentões ou sessentões, anárquicos ou rebeldes”.1

Em 2007, no jornal “O Globo”, em caderno especial (e esclarecedor) sobre os jovens nascidos a partir de 1983, a editora Nívia Carvalho explicou que essa é uma turma que “vive conectada e gosta de dar publicidade aos seus atos em redes sociais, fotologs e álbuns na web. São jovens que elegem o bem-estar como valor maior e buscam dinheiro e fama”.

Até que ponto a juventude cristã está sendo influenciada e conformada por essa mesma cosmovisão? Nossas igrejas e movimentos de juventude têm oferecido um modelo opcional ao que é “emblemático” nessa geração?

Ao tomar como marco para os próximos 10 anos da ABUB a tríade “Uma só vida, uma só verdade, um só Senhor”, queremos propor uma agenda de intenções; algo que queremos primeiramente viver, para depois compartilhar com nossa geração. Temos a responsabilidade (e o privilégio!) de expressar, com nossas palavras e nossa vida, uma nova realidade que já se faz presente entre nós, por meio da vida e da obra de Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado. Conscientes de que nosso comprometimento com a singularidade, a supremacia e a suficiência “de um sujeito mortalmente pregado à cruz e inteiramente despregado das prioridades usuais deste mundo é para o observador isento escândalo, insensatez e vergonha”.2

Insensatez, para uma geração ávida pela prosperidade material, porque esse Jesus sustenta que “a vida é sólida e a ganância é rala, e logo não faz sentido adquirirmos o mundo inteiro e ver a vida escorrer, sem consistência, na peneira final”. “Uma só vida” tem algo a ensinar a esta geração?

Escândalo, para uma geração ávida pelo êxito e dependente da competição, porque esse Jesus, por meio da sua doutrina e da sua vida (e morte!), ensina que “o sucesso se obtém no mais inequívoco fracasso e a grandeza na mais abjeta humilhação”. “Uma só verdade” tem algo a apresentar a esta geração?

Vergonha, para uma geração ávida pela satisfação pessoal e pela permissividade, porque Jesus exige humilde submissão, e para participar desta nova realidade a pessoa “tem de pagar o mico de reconhecer-se não melhor que ninguém”. “Um só Senhor” tem algo a esperar desta geração?


• Reinaldo Percinoto Jr., casado com Maria e pai de João Marcos e Daniel, é secretário-geral da ABUB.

Notas
1. Zuenir Ventura. “1968: o que fizemos de nós.” São Paulo: Planeta do Brasil, 2008.
2. Paulo Brabo. “A bacia das almas: confissões de um ex-dependente de igreja.” São Paulo: Mundo Cristão, 2009.

Para não virar a cabeça

Ao que parece, o alerta de nossos avós sobre os perigos de ingressar na faculdade não eram tão ingênuos assim. “Cuidado, meu filho, pra não virar a cabeça” -- diziam eles. Recentemente, o Barna Group, organização americana especializada em pesquisas, constatou que apenas 20% dos estudantes que foram discipulados durante a adolescência permaneceram espiritualmente ativos quando chegaram aos 29 anos. Certo missionário, ao relatar sua experiência com a igreja na Inglaterra, descreveu a congregação como um “campo de algodão”, referindo-se à quantidade de cabeças brancas presentes -- lá, a igreja já é majoritariamente frequentada pela terceira idade.
Embora a estatística seja americana e a tão falada “era pós-cristã” pareça estar longe de um Brasil avivado e missionário, podemos encarar os dados como um alerta. Afinal, não seria a primeira vez que uma tendência surgida além-mar respingaria por aqui. Só que em vez de deixar que a possibilidade de sermos influenciados sirva de combustível para um patriotismo desmedido, podemos encarar o fato como algo positivo: é possível observar as tendências e tomar precauções.

Em um artigo para a revista “Mission Frontiers”, Chuck Edwards e John Stonestreet, do Summit Ministeries, organização que lida especialmente com jovens universitários e suas crises, apontam algumas razões para o afastamento dos jovens: “o aumento de professores liberais” (que passam sua aversão ao cristianismo para os alunos, que se tornam “presas da retórica anticristã”), “a ausência de fundamentação adequada” (muitos estudantes se dizem cristãos, mas são incapazes de explicar por que acreditam no que acreditam) e “uma visão errada do cristianismo” (enquanto uns se opõem a ele, outros simplesmente não o entendem).

Mas como ajudá-los? Stonestreet faz um alerta: em vez de tentar fazer com que o cristianismo pareça atraente e divertido para os jovens, devemos nos preocupar em garantir que isso que estamos transmitindo seja de fato cristianismo.

Devemos desafiá-los em vez de mimá-los -- os estudantes não precisam de mais entretenimento. O ipod, a internet e os amigos já são suficientes. “Nunca os prepararemos efetivamente para encarar essa cultura movida a entretenimento se simplesmente a substituirmos por entretenimento cristão.” Os estudantes precisam ser desafiados com perguntas difíceis e dilemas culturais.

Devemos oferecer a eles uma educação completa sobre apologética e visão de mundo. “Os estudantes cristãos frequentemente têm a impressão de que somos salvos ‘de’, e não ‘para’.” Muitos conhecem a Bíblia, mas não pensam biblicamente. Eles precisam saber no que creem e também no que os outros creem.

Devemos mostrar não somente a que nos opomos, mas também o que defendemos. Muitos estudantes são vítimas de escolhas imorais porque lhes falta uma visão maior de suas vidas. Muitos sabem mais sobre o que é proibido do que sobre o propósito para o qual Deus os chama.

Finalmente, devemos confrontá-los com as grandes batalhas culturais dos nossos dias, e não isolá-los. O cristianismo não é uma religião ascética ou uma filosofia dualística. Seus seguidores são chamados a mergulhar no significado histórico e cultural da humanidade. A oração de Jesus é reveladora: “Não tire-os do mundo, mas proteja-os do mal” (Jo 17.15).

Apesar das estatísticas, John Stonestreet tem boas expectativas: “Eles [os jovens de hoje] serão melhores do que a minha geração. Eles vão amar mais a Deus, servir melhor, se preocupar de forma mais profunda e pensar de forma mais clara. Eles querem ler bons livros e querem viver por algo maior do que eles mesmos”. Esperamos que ele esteja certo e as tendências, erradas.

Fonte: Revista Ultimato, Edição 329, setembro-outubro 2010. 


O espírito de Lausanne

 Ricardo Barbosa de Sousa
O 1º Congresso Lausanne, em 1974, trouxe uma grande contribuição para o cristianismo global. O Pacto de Lausanne é reconhecido como um dos documentos mais completos sobre a missão da igreja. Desde então, o “movimento de Lausanne”, com seus altos e baixos, permanece como um referencial para a unidade missionária do mundo evangelical.

O processo de compreensão e amadurecimento de tudo o que foi gerado a partir do Pacto de Lausanne levou vários anos. Compreender a missão integral da igreja e reconhecer que o evangelho de Jesus envolve todo o propósito de Deus para todo o ser humano, em todas as suas necessidades, não foi fácil e continua sendo um grande desafio. A busca pela contextualização, sem se deixar moldar por uma exegese cultural, tem requerido um esforço contínuo da igreja. Criar espaços de diálogo entre Norte e Sul, Leste e Oeste, ricos e pobres, homens e mulheres das mais diferentes matrizes sociais e/ou teológicas, e promover a unidade da igreja também não tem sido um caminho fácil.
Porém, o que vimos no 3º Congresso Lausanne, na Cidade do Cabo, foi uma celebração de tudo isso e mais um pouco. A semente de Lausanne deu frutos. O espírito de Lausanne é hoje uma realidade no mundo evangélico.

Ouvir testemunhos de irmãos e irmãs de todos os cantos do planeta, falando de suas lutas pela promoção da justiça, trabalhando pela reconciliação entre pessoas e grupos marcados pela hostilidade e pelo ódio, enfrentando corajosamente a opressão e a perseguição de governos totalitários, promovendo a integração na igreja de pessoas e grupos marginalizados, foi a colheita da semente plantada em 1974. A preocupação com a devoção e a prática de uma espiritualidade bíblica e missionária, a afirmação da unicidade e centralidade de Cristo e sua autoridade final na proclamação do evangelho e no discipulado, o chamado à humildade, integridade e simplicidade, demonstraram que o “espírito” de Lausanne é hoje uma realidade no cristianismo global.

Uma das marcas desse espírito está na linguagem do “Compromisso da Cidade do Cabo”. Em vez de usar a linguagem acadêmica dos pactos e declarações de congressos dessa natureza, usou-se uma linguagem pessoal e afetiva. O compromisso começa assim: “Para o Senhor que amamos: nosso compromisso de fé”. Toda a declaração é fundamentada em nossa resposta ao amor de Deus. No final da introdução, encontramos a seguinte explicação para a linguagem do amor:

O amor é a linguagem da aliança. As alianças bíblicas, antigas e novas, são expressões do amor redentor de Deus e da graça que alcança a humanidade perdida e a criação deteriorada. Essa aliança nos convida a responder em amor. Nosso amor expressa nossa confiança, obediência e o compromisso apaixonado com a aliança do Senhor. O Pacto de Lausanne definiu a evangelização como: “Toda a igreja, levando todo o evangelho, para todo o mundo”. Essa continua sendo nossa paixão.

Nesses quase 40 anos que nos separam do primeiro congresso, a linguagem teológica do terceiro congresso alcança a maturidade de uma linguagem de amor apaixonado. A teologia da missão integral deixa de ser defendida teologicamente para ser celebrada como expressão do nosso amor pelo próximo. Em 1974 e 1989 (Lausanne 2), a preocupação com a salvação da alma provocava fortes reações entre os que achavam que a missão integral era uma nova versão do “evangelho social”. Em Lausanne 3, vimos com alegria a superação dessas reações e a afirmação do “nosso amor por todo o evangelho”, “nosso amor por toda a igreja”, e “nosso amor por todo o mundo”.

Cheguei à Cidade do Cabo sem saber ao certo o que iria acontecer. Minhas expectativas apostavam nas plenárias, nos grandes e controversos temas do século 21. As primeiras impressões foram de frustração. Pouco tempo para as plenárias e para as conversas das mesas; tudo apontava para uma superficialidade teológica. De certa forma, foi o que aconteceu com alguns temas. Porém, de repente, me dei conta de que o espírito do congresso era outro -- precisava mudar o olhar e a disposição. Mudei e voltei cheio de esperança.

Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de “Janelas para a Vida” e “O Caminho do Coração”.

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/328/o-espirito-de-lausanne/Miss%E3o+Integral

A formação de discípulos (parte 3)

René Padilla

A meta na formação de discípulos é que eles aprendam a obedecer a tudo o que Jesus Cristo ordenou a seus próprios discípulos. Como vimos, sem a obediência à vontade de Deus, revelada em Jesus Cristo, não há discipulado cristão verdadeiro. Como diz Jesus: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (Mt 7.21).

Assim, quando Jesus comissiona discípulos, mandando que façam discípulos que aprendam a obedecer “tudo o que ele lhes mandou”, ele pressupõe que há um conjunto de ensinamentos que eles receberam dele e têm a responsabilidade de transmitir à nova geração de discípulos. A pergunta é: a que conjunto de ensinamentos Jesus se refere?

Uma forma de responder é considerar o ensinamento de Jesus nos quatro Evangelhos, especialmente em Mateus, que registra a versão da Grande Comissão citando o que Jesus ordenou a seus discípulos. Mateus inclui cinco discursos de Jesus: o Sermão do Monte (capítulos 5 a 7), o discurso sobre a missão (capítulo 10), o discurso de parábolas (capítulo 13), o discurso sobre a disciplina na igreja (capítulo 18) e o discurso de despedida de Jerusalém (capítulos 23 a 25). Todos são concluídos com alguma variante da mesma frase: “Quando Jesus acabou de proferir estas palavras...” (7.28; 11.1; 13.53; 19.1; 26.1). Dos cinco discursos, o do Sermão do Monte é o que enfoca mais diretamente o ensinamento ético de Jesus. É provável que a igreja do primeiro século o tenha usado como um manual de instrução para os novos crentes de origem judaica, a fim de conseguir que a justiça deles exceda em muito a dos escribas e fariseus (Mt 5.20). Ou, em outras palavras, a fim de fazer os cristãos colocarem em prática a justiça de Jesus Cristo, já que, como afirma Dietrich Bonhoeffer: “A ação segundo Cristo não se origina em algum princípio ético, mas na própria pessoa de Jesus Cristo”, a Palavra de Deus feita carne.

A importância que a igreja do primeiro século deu ao que Jesus ensinou a seus discípulos é vista ao longo do Novo Testamento. Não há espaço para aprofundar o tema, mas basta notar que os milhares que foram batizados e se uniram à igreja em Jerusalém, como resultado de Pentecostes, se dedicaram ao “ensinamento dos apóstolos” (ou seja, ao ensinamento que os apóstolos haviam recebido de Jesus), junto com a comunhão, o partir do pão e a oração (At 2.42). O apóstolo Paulo se refere a esse mesmo ensinamento quando, anos depois, dá graças a Deus porque os crentes romanos já vieram a “obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues” (Rm 6.17). E também quando exorta aos crentes colossenses a que “como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele, nele radicados, e edificados, e confirmados na fé, tal como fostes instruídos, crescendo em ações de graças” (Cl 2.6). Em ambos os casos, o apóstolo considera que há uma tradição apostólica cuja origem remonta a Jesus Cristo, uma tradição que se transmite e se recebe, e que serve como meio de edificação para os discípulos.

A missão da igreja é fiel ao propósito de Deus na medida em que se dirige à formação de discípulos que encarnem na vida diária o que Jesus Cristo ensinou a seus discípulos, ou seja, a tradição apostólica estabelecida no Novo Testamento para a formação de discípulos em todas as nações até o fim da história.

Traduzido por Wagner Guimarães

C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral?.

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/329/a-formacao-de-discipulos-parte-3/Miss%E3o+Integral